quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Nenhuma guerra senão a guerra de classes!

Nem guerra entre nações! Nem paz entre classes!" mural em Moscou. Fonte: ANA - Agência de Notícias Anarquistas.

Introdução

Na noite de 23 de fevereiro, após semanas de tensão, a Rússia iniciou uma ampla invasão na Ucrânia. A nossa posição a respeito desse conflito, enquanto internacionalistas e enquanto proletários, é clara: não apoiamos a mobilização de nossa classe como bucha de canhão nos joguetes interimperialistas, não apoiamos nenhuma guerra a não ser a guerra de classes, terreno no qual defendemos verdadeiramente nossos interesses enquanto classe.

Desde o início dessa tensão, já podíamos ver a mobilização ideológica da burguesia para justificar cada lado: num lado estavam os "defensores da democracia, da soberania nacional, da paz" e do outro aqueles que queriam destruir tudo isso; por outro lado, também havia o discurso de "Putin anti-imperialista", "Putin antifascista" (ignorando ou mascarando o apoio militar russo na repressão das greves no Cazaquistão). A farsa de equiparar todo o proletariado ucraniano às células neonazistas presentes na região é evidente, mas ainda assim vemos essas mentiras sendo repetidas por aí (inclusive pelos dois lados). O objetivo é sempre o mesmo: nos fazer aderir à uma fração burguesa contra a outra, justificar a guerra contra o inimigo dessa fração, justificar nossa ida ao matadouro da guerra interimperialista. 

A posição verdadeiramente revolucionária nega esse apelo à guerra entre nações, opondo à ela a guerra de classes, a guerra contra "nossa" burguesia, "nosso" Estado, o derrotismo revolucionário e a fraternização entre soldados contra seus senhores. Essa posição já havia sido formulada por anarquistas anteriormente, como, por exemplo, Malatesta alguns meses antes da Primeira Guerra Mundial:

"Logo a conclusão é que, para um anarquista, o inimigo primeiro é o opressor que lhe está mais perto, e contra o qual pode lutar com maior eficácia. Para um anarquista italiano, e em geral para cada trabalhador italiano que aspira à emancipação sua e dos seus companheiros, importa sobretudo combater o governo de Itália e os patrões de Itália, isto é, aqueles que se dizem nossos connazionali e nossos compatriotas, e em nome da nação e da pátria gostariam de nos fazer aceitar docilmente o seu domínio. É esta a conclusão a que queriam chegar? Se sim, estamos de acordo" (link para o texto completo).

Também podemos achar formulações completamente atuais em outros textos que se opunham à guerra, como o Anti-War Manifesto (1915):

"O refinamento contínuo dos materiais de guerra, cada mente e cada vontade mantendo-se constantemente voltada para uma organização cada vez melhor do aparato militar - este dificilmente é o caminho para a paz.

Portanto, é ingênuo e pueril, uma vez multiplicadas as causas e as ocasiões de conflito, tentar definir o grau de culpa ligado a tal e tal governo. Não é possível fazer distinção entre guerras ofensivas e guerras defensivas. [...]

Não importa onde eles se encontrem, o papel dos anarquistas na tragédia atual é continuar proclamando que existe apenas uma guerra de libertação: aquela travada em cada país pelos oprimidos contra o opressor, pelos explorados contra o explorador. Nossa tarefa é convocar os escravos à revolta contra seus senhores" (texto completo aqui).

Dessa forma, para nós, a única ação coerente com os interesses do proletariado é a denúncia da guerra e a sabotagem de qualquer tentativa de fomento e apoio à guerra realizada por "nossa" burguesia e "nosso" Estado. Por isso, decidimos pela tradução e divulgação dos seguintes textos que sentimos abordarem os conflito entre as potências imperialistas no leste europeu através de uma perspectiva internacionalista e contra a guerra burguesa.

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Ucrânia, Rússia e a importância das perguntas - Barbaria 

Como em qualquer conflito entre estados capitalistas, o debate ideológico e a propaganda giram em torno do direito e da soberania nacional. Se a Rússia tem o direito de reivindicar seu espaço de segurança, se a Ucrânia é um país soberano para decidir suas alianças, se é justo e legítimo que os Estados Unidos ampliem as fronteiras da OTAN, se a União Europeia tem que manter uma autonomia estratégica, se é que a própria burguesia europeia entende o que isso significa.

Mas tão importante quanto a resposta é o terreno em que se situa a pergunta. E todas as questões acima se encontram num terreno burguês, aquele que nos faz acabar apoiando um Estado capitalista contra outro, contra os princípios básicos do internacionalismo e da autonomia de classe que definiram historicamente o movimento proletário.

Porque o que está em jogo no atual conflito entre a Rússia e a OTAN é a partilha da nossa exploração e o domínio do território. O desenvolvimento do capitalismo implica, por um lado, a contradição entre a necessidade de explorar o trabalho e a necessidade de expulsá-lo com novas tecnologias, o que o introduz em uma crise econômica perene de esgotamento de seu próprio mecanismo de produção de riqueza nos limites da mercadoria. Por outro lado, este mesmo desenvolvimento torna cada vez mais duvidosa a capacidade de uma potência capitalista de manter sua hegemonia sobre o resto, ou mesmo sobre um bloco estável e robusto, ao mesmo tempo em que pressiona os diferentes países a competirem entre si para se tornarem potências regionais. O resultado não é, como às vezes é dito, a tendência para a substituição dos EUA pela China na gendarmeria[1] global, mas a fragmentação geopolítica das diferentes potências para garantir seu controle sobre a região.

Este é o esforço que a Rússia está fazendo para se opor aos EUA e à OTAN no atual conflito com a Ucrânia. Os EUA estão tendo cada vez mais dificuldade de manter sua hegemonia global, como demonstra sua retirada do Afeganistão. Tem, de fato, cada vez mais dificuldade em manter o controle de seu próprio território, afetado por uma polarização social que nem mesmo os tambores de guerra estão conseguindo, pelo menos atualmente, manter suturada [remendada]. Por sua vez, a Rússia está exercendo seu controle imperialista sobre os Estados que a cercam para garantir a si mesma um "distanciamento estratégico" - um cinturão de Estados-almofada para amortecer militarmente suas próprias pretensões de potência hegemônica - mesmo que seja às custas da repressão sangrenta do proletariado, como visto em sua intervenção militar para esmagar as revoltas no Cazaquistão [como pode ser visto aqui]. A União Europeia, esse conglomerado de antigas potências em busca da glória perdida e sem capacidade de conjugar uma política econômica e militar própria, foi apanhada no choque de trens: a Alemanha dividida entre sua dependência energética do gasoduto russo e sua aliança com os EUA, a França frustrada por suas tentativas de varrer para debaixo do tapete sua derrota em Mali, liderando a diplomacia europeia autonomamente dos EUA, cujo final tragicômico foi o fracasso das negociações entre Putin e Biden com a chegada dos tanques russos em Donbass.

A guerra é parte da natureza do capitalismo, e da natureza de cada Estado-nação. Neste sentido, cada Estado é imperialista: sejam os EUA, a Rússia ou a Ucrânia, cada Estado tenta alinhar o proletariado por trás de sua própria burguesia para servir de bucha de canhão na guerra imperialista. O resultado do atual aumento de tensão e da entrada das tropas russas na Ucrânia oriental foi, mais uma vez, a exacerbação do nacionalismo ucraniano e pró-ocidental de um lado, pró-russo do outro, o que serve apenas para esconder a natureza de classe deste conflito sob os slogans de democracia, soberania e direito internacional.

Esse não é o nosso terreno. Nosso terreno é o da defesa dos interesses de classe por fora e contra todos os interesses nacionais e imperialistas. A única maneira de entender o conflito atual na Ucrânia é através dos princípios básicos do derrotismo revolucionário: unidade de classe através de todas as fronteiras, guerra de classes contra a própria burguesia, revolução proletária mundial.

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Guerra na Ucrânia: o gato e o rato - Barbaria 


A brincadeira de gato e rato acabou. E o rato comeu o gato. A luz do dia ainda não havia surgido quando os veículos blindados e os corpos de combate russos entraram em solo ucraniano. Desta vez com seus rostos descobertos, com as insígnias de seus batalhões e a bandeira tricolor russa visível. A farsa de 2014 não fazia mais sentido desta vez. O capitalismo russo lançou todo seu exército, toda sua capacidade de fogo e destruição, para lembrar ao mundo inteiro que está pronto para competir com o resto dos capitais pela parte dos espólios que puder, em um período histórico de repartição e reconfiguração de lideranças do capitalismo mundial.

Naturalmente, o espólio em disputa é a mais-valia compreendida de maneira global, a soma total daquela parte que o vampiro capitalista, imerso em uma crise mortal, suga de cada um dos trabalhadores do mundo. De Kiev a Moscou, por Madri, Dakar, Bombaim, Chicago, Lima, Seul, pelos quatro cantos do mundo, o programa do capitalismo em crise (e que crise: econômica, ecológica, social, energética, todas elas piorando continuamente) é o mesmo: guerra imperialista entre nações e exploração ilimitada da classe trabalhadora.

A burguesia russa apareceu envolta no celofane da Pátria e da Bandeira, um velho subterfúgio das classes decadentes. Mas na realidade a única coisa que a burguesia, russa e não-russa, defende são seus mercados. É por isso que a intervenção militar é dirigida indiscriminadamente contra a classe trabalhadora ucraniana e russa. Ambas só podem esperar o horror da guerra e do terror policial que já existe na Rússia. Conforme os dias passarem e a fumaça da batalha se dissipar, aos trabalhadores ucranianos e russos mais conscientes não restará dúvidas de que, independentemente da cor das bandeiras, as condições de vida entre eles são idênticas, a exploração é a mesma, ambos são a bucha de canhão de suas respectivas burguesias. E que quando a briga terminar e o acordo for alcançado, a burguesia vitoriosa representará a totalidade dos exploradores.

Na batalha ideológica, os crápulas "ocidentais" (com todo seu séquito de professores, especialistas, jornalistas, além de suas organizações não-governamentais) querem fazer-nos acreditar que Putin é um maluco com desejo de ser Czar, que a burguesia russa é "oligárquica" (como se quisessem dizer burguês de baixa qualidade) e a Rússia um atavismo de tempos idos, com suas cúpulas douradas, bandeiras com águias e portões palacianos gigantescos. Nada poderia estar mais longe da verdade. Putin é um herdeiro fiel e consciente de Stalin e de seu regime capitalista. Todos os seus movimentos visam tornar o capitalismo russo competitivo, com a exploração excessiva da classe trabalhadora em solo patriótico, e a rapina imperialista onde quer que ele seja capaz de se impor. Após o colapso de 1989, ele vem juntando as peças o máximo que pode, e o tem feito de acordo com o capitalismo mundial. Para fazer isso, contou com as elites da burguesia europeia: basta perguntar aos Schröders, Berlusconi, Fillon e tantos outros.

O ataque russo à Ucrânia está em consonância com o domínio imperialista do capitalismo russo, o mesmo que esmagou com seus tanques a revolta em Berlim em 1953, Hungria em 1956, Tchecoslováquia em 1968 ou Afeganistão em 1979. Tendo recuperado sua capacidade operacional, interveio na Geórgia, Ossétia, Síria, Cazaquistão e em várias partes do mundo com forças mercenárias. É esta capacidade renovada de intervir e competir com as burguesias ocidentais que as deixa horrorizadas. E o faz com as mesmas armas que elas: guerra imperialista para garantir a si mesmo o fornecimento necessário de matérias-primas e minerais e uma maior disposição para aumentar a mais-valia de cada desafortunado que caia em suas mãos, não importa em qual país esteja. Porém, agora quer competir, se necessário, no mesmo terreno que as burguesias europeias. Enquanto os caças russos bombardeavam as posições dos aliados ocidentais na Síria, nada parecia estar acontecendo. Agora, o barulho de seus motores lembra-lhes de que seu espólio não está bem protegido e que, na nova situação mundial, eles são cobiçados por diferentes países capitalistas.

Em uma ironia da história, que desde Hegel sabemos o quanto lhe apraz estes jogos, o ex-líder das tropas tornou-se subordinado, e o lacaio de ontem tornou-se líder das tropas. Os novos feitos imperialistas da Rússia seriam difíceis de sustentar sem todo o apoio fornecido pela China. Aqueles que permanecem na superfície dos fenômenos políticos são incapazes de entender a natureza do capitalismo como uma relação social abstrata: o capitalismo chinês precisou do apoio americano nos anos 70 e 80 para escapar da opressão do capitalismo russo, independentemente das "diferenças políticas". Agora o capitalismo chinês está ajudando seu antigo opressor russo a conquistar a independência do capital ocidental. O essencial em tudo isso, do que isso realmente se trata, é que o capitalismo continuará a se perpetuar sem se importar nem um pouco com as formas políticas, que em poucas palavras só servem para o jogo ideológico.

Em nossa declaração anterior, dissemos:

O desenvolvimento do capitalismo implica, por um lado, a contradição entre a necessidade de explorar o trabalho e a necessidade de expulsá-lo com novas tecnologias, o que o introduz em uma crise econômica perene de esgotamento de seu próprio mecanismo de produção de riqueza nos limites da mercadoria. Por outro lado, este mesmo desenvolvimento torna cada vez mais duvidosa a capacidade de uma potência capitalista de manter sua hegemonia sobre o resto, ou mesmo sobre um bloco estável e robusto, ao mesmo tempo em que pressiona os diferentes países a competirem entre si para se tornarem potências regionais.

Neste período histórico que estamos vivendo, que consideramos um ponto de inflexão, estamos destinados a sofrer com o crescente confronto imperialista em todo o mundo, e a piorar, se possível ainda mais, as condições de vida da classe trabalhadora mundial. Isto é o que o capitalismo é capaz de oferecer à humanidade.

A resolução imediata do conflito será resolvida por meio de negociação, sempre sob a ameaça de um novo recomeço da guerra. A própria complexidade e o entrelaçamento da economia capitalista mundial fará com que todo o conjunto de sanções impostas pela UE e pelos EUA pareça uma brincadeira. Eles não podem punir a Rússia sem, de passagem, punirem-se. É este sentimento de impotência e frustração que perpassa toda a classe política europeia.

Mas não esquecemos. Os vermes russos uniformizados estão bombardeando cidades, ruas. Milhares de pessoas fugindo de suas casas por suas vidas. No horizonte de tudo isso estão as negociações entre os dois governos. Os trabalhadores ucranianos e russos não têm nada a ganhar em tudo isso, e embora estejamos longe de uma situação em que a classe tenha claridade sobre seus próprios interesses, é importante destacar as manifestações que ocorreram ontem em toda a Rússia contra a guerra e que deixaram 1.800 presos. Que seja a classe trabalhadora russa que impeça que seus soldados deixem a Rússia, que sejam os trabalhadores ucranianos a assumirem o controle do país. Abaixo os russos e os ucranianos! Viva a ação conjunta do proletariado!

Desde 1914, os trabalhadores do mundo inteiro só podem levantar uma bandeira: a do derrotismo revolucionário. Contra as guerras imperialistas e pela necessidade de derrubar antes de tudo a própria burguesia. Solidariedade internacional entre os trabalhadores. Não há outra tarefa, por maior e mais distante que esteja no momento, que derrubar as relações sociais capitalistas. Qualquer outra saída é um remendo na situação atual.

Contra aqueles que levantam a bandeira da paz nas condições sociais atuais, dizemos-lhes que é perpetuar as condições da guerra e da exploração. É continuar a degradação do capitalismo mundial. Ao contrário desta visão de coexistência pacífica no capitalismo, levantamos a bandeira da classe contra a classe, explorados contra exploradores, comunismo contra o capitalismo, revolução contra reação!

A Barbaria é um pequeno grupo sem a capacidade de influenciar na luta dos acontecimentos. Mas estamos profundamente comprometidos com os proletários que neste momento são acometidos pelo fogo e pelos estilhaços de dois exércitos em combate. Nossos pensamentos e nossos corações estão com todos eles.

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A guerra econômica, a guerra que já acontece - Barbaria


O capitalismo não é simplesmente uma forma de organizar a economia de uma sociedade: é uma relação social, ou seja, uma certa forma de produzir e reproduzir globalmente a vida da sociedade e, como tal, está vinculado ao curso da história. Esse sistema em que vivemos já acumulou vários séculos, e sua evolução refletiu sua imagem em todas as esferas que fazem parte dessa relação social; seja a economia, a política, a forma produtiva, a forma territorial ou mesmo a própria vida cotidiana. Nesse sentido, o desenrolar histórico do capitalismo também tem um impacto inegável na forma como se expressam as tensões e os conflitos militares. Por um lado, a explosão tecnológica estrondosa das últimas décadas abre um novo campo de batalha no ciberespaço. A dependência da informática e da Internet, a influência das redes sociais e a necessidade de proteger dados através da cibersegurança são novas variáveis ​​que influenciam a forma como as lutas imperialistas se fazem no século XXI. Também a crescente globalização e deslocalização [isso é, a transferência de localização para além das barreiras nacionais] estão tornando as cadeias produtivas globais cada vez mais fragmentadas e complexas, envolvendo um número crescente de atores. 

As guerras imperialistas nunca foram travadas apenas na frente militar, mas a tendência à expansão global e ao desenvolvimento tecnológico, decorrente do próprio desenvolvimento do capital, faz com que agora, mais do que em qualquer outro momento da história, os campos de batalha econômicos, tecnológicos e midiáticos ocupem um lugar de primeira ordem. Nos últimos dias, percebeu-se com muita clareza como a linguagem da guerra foi rapidamente aplicada para o cenário econômico com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Um exemplo explícito: em 1 de março, após as inúmeras sanções que a UE anunciou à Rússia, o Ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, alertou que o Ocidente iria "provocar o colapso da economia russa", acrescentando que "vamos travar uma guerra económica e financeira total". Horas depois, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia respondeu-lhe via Twitter: «Cuidado com a língua, senhor! Não se esqueça que na história da humanidade as guerras econômicas muitas vezes se transformam em guerras reais”. Embora seja verdade que os países que compõem a OTAN não possam permitir uma intervenção militar direta na guerra, eles estão agindo diretamente em termos econômicos. Ao contrário da "guerra real", a guerra econômica internacional já está acontecendo. Este é um campo de batalha no qual protagonistas da economia mundial como Canadá, Austrália, EUA, Japão ou União Europeia podem de fato se dar ao luxo de lutar.     


Mobilização das armas     

Até agora, inúmeras sanções foram implantadas contra a Rússia e os impactos em sua economia (bem como na economia mundial) foram fortes. Uma das principais medidas foi a chamada «arma nuclear financeira» pelo ministro de finanças francês, a desconexão do sistema internacional de pagamentos (SWIFT). Os EUA, o Reino Unido, o Canadá e a União Europeia concordaram em excluir vários bancos russos do SWIFT, um sistema de mensagens que permite que pagamentos internacionais sejam feitos de forma segura e simples. Vale a pena mencionar que a desconexão, até agora, não é total. Pagamentos de gás e petróleo ainda são permitidos, já que a Rússia produz 10% do petróleo mundial e, portanto, em guerra ou paz, a dependência é alta. É importante dizer ainda que 40% do gás consumido pela Europa vem da Rússia e essa figura alcança 60% na Alemanha. Também nesta última semana, uma lista enorme de países (UE, Suíça, Japão, Canadá, EUA, Reino Unido, etc.) estão anunciando um após o outro sua decisão de congelar ativos russos em seus sistemas financeiros. Isso implica excluir os maiores bancos russos de todos os sistemas econômicos mencionados e impossibilitar o acesso a pagamentos em euros, francos suíços, dólares ou libra esterlina. Finalmente, uma série de sanções relacionadas ao intercâmbio de bens diversos incluindo matérias-primas. O Canadá proibiu as importações de petróleo, o Japão vai impor controles sobre a exportação de semicondutores e outros produtos para o setor de defesa, a UE anunciou sanções relacionadas ao controle e financiamento de exportações e à política de vistos, e os EUA vão impor restrições à exportação de equipamentos militares e de TI ao Ministério da Defesa russo.              

O objetivo dessas medidas, desde a limitação de transações bancárias ao bloqueio de fundos em outros cantos do mundo e restrições ao comércio internacional, é tentar estrangular as finanças do país as desconectando do mercado mundial. A resposta direta e coordenada dos países já citados, além de outros, contra a invasão da Rússia na Ucrânia teve efeitos imediatos na economia russa e, consequentemente, na economia mundial. Limitações em transações bancárias, a obstrução do acesso à reservas internacionais em moeda estrangeira e restrições no intercâmbio de mercadorias implicam uma queda acentuada na demanda do rublo e um forte obstrução à convertibilidade internacional da moeda russa.

Desconfiança ampla na moeda e queda na demanda fizeram o rublo ter uma queda histórica, perdendo 30% do seu valor em um único dia, em 28 de fevereiro. A perda do poder de compra da moeda irá inflar os preços de bens na Rússia, em decorrência do aumento nos custos de produção, e a perda de lucros empresariais de empresas estrangeiras, que dependem da taxa de câmbio do rublo para serem pagos em suas moedas domésticas. O aumento de preços em tecnologia pode ser tratado como um termômetro para a escalada dos preços em geral: o iPhone 13 teve uma subida no preço de 23% depois que as sanções se fizeram conhecidas. O Banco Central Russo teve duas reações imediatas para escapar da queda livre pela qual sua economia está passando: a primeira foi aumentar as taxas de juros em depósitos em 20% para "compensar os riscos de depreciação e inflação, e proteger as poupanças dos cidadãos da desvalorização", de acordo com um comunicado da organização; a segunda foi estabelecer um controle de capital, solicitando aos seus intermediários que não completem as vendas de dívida russa. Em outras palavras, se alguns clientes quiserem vender títulos de dívida russa, o banco vai rejeitar a ordem de venda.      

O capitalismo russo tem outras ferramentas que não as tradicionais, empregadas pelo Banco Central, para mitigar o colapso de sua economia a médio e largo prazo, e aqui a China tem um papel fundamental. A China tem seu próprio SWIFT, o CIPS, um sistema que já conta com a participação de vários bancos russos e pode ajudar a contornar os inconvenientes da expulsão do sistema SWIFT. Entretanto, enquanto 40% dos pagamentos internacionais são feitos em dólar, o CIPS tem uma parcela de 3% e por isso, no momento, não representaria uma alternativa mundial. As criptomoedas também são uma alternativa para pagamentos internacionais. A Rússia está desenvolvendo seu próprio rublo digital, na esperança de poder negociar diretamente com outros países, sem a mediação do dólar, o que claramente a tornaria menos dependente dos Estados Unidos e mais capaz de resistir às sanções. Além disso, o yuan digital poderia ser uma alternativa na hora de facilitar os pagamentos transnacionais através das criptomoedas.       

Embora seja verdade que nos últimos dias tenha se falado do papel da China em suavizar o golpe das diversas sanções, ela está andando numa corda bamba tentando evitar uma confrontação direta com a Rússia ao mesmo tempo que mantendo uma certa distância do país. Se a China tendesse a balança demasiado para o lado da Rússia, enfrentaria a possibilidade de sanções secundárias e de uma deterioração de sua reputação internacional e domesticamente. A contundência e a sincronia da reação do G7, os principais poderes do imperialismo ocidental, é um espelho no qual a China não quer se ver refletida.      


Uma guerra contra o proletariado como classe mundial            

Independente das artimanhas que o banco central russo consiga conjurar e do apoio do capitalismo Chinês ou da expansão de criptomoedas, o impacto das sanções no proletariado russo será trágico. Tanto que Le Maire não hesitou em suplementar suas afirmações com: "o povo russo também pagará as consequências" desta guerra econômica. Longas filas para a retirada de dinheiro já se formaram em meio ao colapso do rublo. A desconfiança do povo está crescendo devido ao medo de que cartões de crédito parem de funcionar ou que se estabeleçam limites de retirada, em um contexto no qual já existem sérias complicações para a aquisição de dólares, e a Rússia proibiu a retirada de mais de 10 mil dólares do país em moeda estrangeira. Como consequência do naufrágio do rublo, se espera um aumento generalizado de preços e, portanto, uma hiperinflação ao decorrer do tempo. O preço de todos os medicamentos que não forem regulados pelo Estado irão aumentar por serem importados em dólares e euros. A indústria farmacêutica não será o único setor afetado; outros como o de alimentos e automóveis irão ter uma subida abrupta de preços nas próximas semanas e meses.      

Sim, a guerra econômica que começou como resultado do choque de tensões imperialistas terá sérias consequências na vida cotidiana do proletariado russo, mas não apenas. O capitalismo é um sistema cheio de contradições. Por uma lado, seu DNA o move incessantemente a produzir mercadorias para obter lucros para serem reinvestidos na geração de novas mercadorias ascendendo o ciclo de produção até o infinito. É exatamente essa tendência de maximização de lucros que explica a tendência à deslocalização que o capitalismo sofreu nas últimas décadas e que faz as cadeias de fornecimento se tornarem cada vez mais complexas e fragmentadas, comportando cada vez mais conexões. Por outro lado, é um sistema também inerentemente competitivo com os capitais lutando entre si todo segundo para fazer um lucro maior que dos seus rivais. A mistura dessas forças opostas resulta em um sistema social perpetuamente tensionado, em que capitais precisam se expandir e tendem a criar relações de dependência entre si nas quais uns bebem dos outros; e ao mesmo tempo, lutam para destruir seus competidores.                  

Dependência e a necessidade do adversário existir, ao mesmo tempo junto com a ameaça e intenção de o aniquilar. Isso a guerra econômica contra a Rússia ilustrou perfeitamente. O ministro da economia da Alemanha, cuja dependência no gás russo já foi citada, explicou assim: "temos de assegurar que não imponhamos à Rússia sanções que nós próprios não podemos suportar".   

Sim, essa é uma guerra econômica contra a Rússia, contra o proletariado russo, mas também contra o proletariado mundial, pois não podemos esquecer que o capitalismo, inevitavelmente, é um sistema mundial. Não é segredo. Tanto a mídia quanto vários corpos institucionais ao redor do mundo enfatizaram esse efeito bumerangue que ocasionarão as sanções na economia mundial. O medo da escassez de diferentes matérias-primas fez com que o gás atingisse ápices históricos em sua cotação, que o barril de petróleo tenha atingido preços jamais vistos desde 2014 e que o trigo tenha alcançado seu recorde em 14 anos. Estes são apenas alguns exemplos, mas como vimos preços ascendentes de matérias-primas essenciais têm uma capacidade certeira de elevar os preços de outros tipos de bens. Insistimos: não é uma questão de guerra na Ucrânia, de Rússia ou de OTAN: a guerra econômica irá afetar o proletariado como classe mundial. Crescentes aumentos no custo da energia e uma alta inflação duradoura arriscam um efeito dominó onde sanções podem se fazer sentidas em lugares não relacionados com o conflito, como a América Latina, onde a subida do petróleo pode levar à deterioração comercial. É por isso que bradam pela sua sacrossanta unidade nacional em nome da civilização democrática, o que sempre esconde um ataque brutal nas nossas condições de vida.    


Nem crise, nem guerra. Sempre foi, é e será luta de classes   

Há outro elemento que deve ser levado em conta para uma análise adequada da situação: o desenrolar dos eventos históricos que acompanham a vida do capitalismo não pode ser analisado puramente de uma perspectiva imediata. É preciso uma visão dinâmica que nos permita entender o capitalismo não como um conjunto de momentos, mas sim como o transcurso de um processo. Nesse sentido, não é possível entender a crise que está sendo gerada sem olhar para trás para relacioná-la com vários elementos que estão enterrados, mas visíveis, pois o capital nunca resolve suas contradições, senão que as eleva a um nível maior e as reproduz em escala ampliada .          

Havíamos dito em outra ocasião: a crise econômica que surgiu como resultado da pandemia não é uma crise diferente daquela de 2008. Nem essa o é. Um claro exemplo desse acúmulo de contradições é o aumento do preço da gasolina e do diesel. Em 2 de março, a gasolina alcançou um preço médio de 1,65 euro o litro na Espanha e o diesel estava 1,53 euro por litro. De fato, a invasão da Ucrânia fez os preços alcançarem um apogeu histórico. Entretanto, não podemos esquecer que o último recorde foi quebrado no começo do último fevereiro. Sim, a pressão inflacionária para cima é um fato preocupante para o proletariado como um todo, que foi agravada pela guerra na Ucrânia, mas é uma tendência observada há alguns meses no conjunto da economia mundial.    

Uma publicação do Banco Mundial no último mês afirmou que 15 das 34 economias consideradas "avançadas" tiveram inflação acima de 5% no ano de 2021, uma proporção desconhecida há mais de 20 anos. No caso da economia espanhola, a inflação disparou para 7,4% em fevereiro, um número não visto desde 1989 e que não reflete o impacto da guerra recentemente iniciada. Como estamos tentando explicar, a tendência inflacionária que assombra a economia mundial há meses não é o resultado de um evento específico atual, como a invasão da Ucrânia, mas sim da conjunção de uma série de fatores profundamente estruturais e característicos da decomposição do capitalismo no momento histórico atual. O aumento imparável no preço da eletricidade, a carestia de matérias-primas fundamentais, a tendência de criar gargalos no processo de produção e o desajuste entre oferta e demanda causado pela pandemia são alguns dos elementos que entram em jogo na subida de preços generalizada. É evidente que perspectivas inflacionárias ao redor do globo não são promissoras, já que até mesmo o Banco Central Europeu abriu a possibilidade de estagflação [2] após a guerra ucraniana, o que se traduz na deterioração brutal das condições de vida do proletariado mundial.      

Apenas por essa visão panorâmica podemos observar o grade terreno fértil que o Capital está gerando com os elementos já citados, que não representam nada mais que o somatório e continuação de todas as contradições acumuladas pelo sistema. Essa visão é importante, além disso, porque é necessária uma perspectiva que compreenda o capitalismo como sistema global, no qual a economia não é algo separado do territorial ou do militar. A escalada de tensões imperialistas entre Rússia e OTAN e as contradições do capital se manifestam de múltiplas formas e essa é uma delas. A máquina propagandista foi ligada e pudemos ouvir como o Presidente do Governo, Pedro Sánchez, reconheceu no dia 2 de março no Congresso que as sanções impostas terão um impacto negativo no nosso custo de vida, mas afirmou que o custo da inação seria ainda maior. Ao mesmo tempo, Josep Borrell, encarregado de coordenar a ação exterior da UE, disse categoricamente que a UE não está em guerra contra a Rússia. A guerra econômica é uma guerra real, pois, sejam com bombas ou sanções, é o proletariado, como classe mundial, que sofre miséria e morte para que os capitalistas possam repartir os benefícios de sua exploração. É por isso essencial que, como comentamos na semana passada [Ucrânia, Rússia e a importância das perguntas], nos perguntemos as perguntas certas e identifiquemos qual é nosso terreno como revolucionários. Nessa luta, seja na forma militar ou econômica, não são nossas vidas que importam, mas a sobrevivência do capital. O militar e o econômico representam duas faces da mesma moeda que é a guerra. A guerra de uma classe dominante, a miséria e os mortos da nossa própria. Por tudo isso nosso papel é escolher o terreno que é nosso e não da burguesia. Vamos transformar a guerra imperialista em guerra de classes.

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Internacionalistas combatem os movimentos em direção à guerra de "seus" governos com luta de classes - Internationalist Workers’ Group

"Nenhuma guerra, senão a guerra de classes."

Desde o final de novembro, a mídia burguesa tem nos inundado com uma quantia crescente de artigos e vídeos que denunciam a suposta ameaça russa à Ucrânia e à paz mundial. Cada dia os apelos da burguesia para lutar contra a "agressão russa" se tornam mais fortes, especialmente nos Estados Unidos, onde a sugestão de que a "ordem internacional baseada em princípios" (ver sobre aqui) nada mais é do que um mito imperialista usado para justificar as maquinações belicistas de nossa classe capitalista é recebida com denúncias de ser um agente russo. Mas na realidade, como internacionalistas revolucionários, sabemos que não somos agentes de nenhum poder imperialista, mas que somos trabalhadores militantes que lutam pelos interesses de nossa classe, o que inclui a luta contra as guerras imperialistas.


Os Fatos

É relativamente difícil nos EUA obter notícias que não reflitam simplesmente os pontos de vista e as informações repetidas pela "nossa" burguesia. Na maioria das vezes, o que vemos nas notícias apresenta a Rússia como uma agressora e uma força antidemocrática controlada unicamente por Putin, que quer reconstruir a velha União Soviética. Por outro lado, os EUA são apresentados como uma força pacífica que quer defender as supostas democracias do mundo contra as crescentes autocracias como a China ou a Rússia. A OTAN é vista não como uma aliança imperialista, mas sim como um conglomerado de democracias, criado para resistir ao totalitarismo supostamente "comunista" da URSS, há mais de 70 anos. Esta é a narrativa fundamental que une quase todos os propagandistas da burguesia nos EUA. Embora existam algumas diferenças entre as diferentes fontes de informação, no final esta é a base da qual surge o que é chamado de "notícia".

O que sabemos é que os recentes acontecimentos entre a Ucrânia e a Rússia são uma intensificação da competição entre as "grandes" potências e blocos imperialistas, neste caso, entre a Rússia e os países da OTAN, especialmente os EUA e o Reino Unido. A mídia burguesa nos EUA informa que houve um aumento no número de forças russas perto da fronteira com a Ucrânia (estima-se que haja mais de 100.000 soldados no início de fevereiro). Mas o que eles não nos dizem são as ações agressivas da OTAN e dos EUA na Ucrânia e na Europa. Desde o colapso da URSS e de seu bloco imperialista, a OTAN tem se expandido cada vez mais até as fronteiras russas. Na Ucrânia especificamente, os EUA entregaram cerca de 2,5 bilhões de dólares de ajuda militar ao governo para lutar contra os separatistas russos no leste do país, e para se preparar para um futuro conflito imperialista com a Rússia. Outros países da OTAN também, como o Canadá, enviaram conselheiros militares à Ucrânia para treinar o exército ucraniano, novamente com a intenção de estarem preparados para um eventual conflito com seu rival imperialista, a Rússia.

A hipocrisia da burguesia é evidente. Quando a Rússia envia "seus" soldados para "suas" fronteiras, isto é denunciado como uma ameaça à paz mundial. Mas quando Biden anuncia que está considerando enviar milhares de soldados para a Europa Oriental, além das tropas americanas já posicionadas lá, a mídia elogia isto como um passo para preservar e defender a democracia. É preciso rir quando Antony Blinken denuncia a Rússia por quebrar o "princípio de que um país não pode exercer uma esfera de influência para subjugar seus vizinhos". De todos os países do mundo, os EUA são os mais experientes quando se trata de manter uma esfera de influência e subjugar seus vizinhos. Durante quase toda a sua história, os EUA trataram a América Latina como seu domínio pessoal, no qual nenhum Estado foi capaz de se alinhar com um bloco imperialista contra os EUA. Basta olhar para Cuba para ver como os EUA reagem quando um Estado em sua "esfera de influência" tenta se unir a outro bloco imperialista; isto é, uma punição sem fim ao bloqueio econômico. E quando os EUA fingem ser o campeão da "ordem internacional baseada em princípios" é impossível não ver o cinismo da burguesia. Os EUA não seguem nenhuma regra que aja como um obstáculo às suas ambições imperialistas, mesmo as suas próprias!

Com o passar dos dias, parece que a burguesia está nos condicionando para algum tipo de conflito com a Rússia. Atualmente, é difícil prever em que direção os acontecimentos nos levarão, mas a OTAN não está unida em como responder às mobilizações da burguesia russa. Alguns, como os EUA e o Reino Unido, são muito mais combativos em querer defender a "soberania" ucraniana e apoiá-los em uma possível invasão pela Rússia. Os países orientais da OTAN, como a Estônia, Letônia e Lituânia, também estão alinhados contra o imperialismo russo. Mas outros países da OTAN, significativamente a Alemanha e a França, não estão tão interessados em serem agressivos contra a Rússia, pois dependem da Rússia para seu gás. Biden já anunciou que não tem a intenção de enviar tropas dos EUA à Ucrânia para lutar contra a Rússia se houver uma invasão. Mas as opções ainda estão abertas para os EUA, e os EUA disseram que estão considerando a opção de apoiar uma insurgência ucraniana se a Rússia invadir.

E a Rússia vai invadir? Não conhecemos as conversas secretas do Kremlin, mas somos capazes de delinear alguns fatos gerais sobre o que a Rússia deseja como potência imperialista. Putin e muitos na burguesia russa veem o colapso da URSS e a expansão da OTAN nos últimos 30 anos como uma ameaça mortal à sua capacidade de funcionar como um forte ator imperialista no mundo. A crescente proximidade da OTAN com as fronteiras russas também é inaceitável para eles, e por causa disso, durante este século, tomaram medidas para defender o que consideram como uma zona de amortecimento entre eles e as potências ocidentais, e exigem sua própria influência sobre esta zona. Em 2008, por exemplo, quando a Geórgia estava tentando aderir à OTAN, a Rússia invadiu o país e atualmente mantém a existência de duas regiões separatistas lá: Abkhazia e Ossétia do Sul. Algo semelhante ocorreu em 2014 quando os EUA e a UE apoiaram a revolta "Euromaidan" na Ucrânia, que derrubou o governo pró-russo e o substituiu por um mais amigável com a burguesia ocidental. Logo depois, a minoria russa na Crimeia e na Ucrânia Oriental se levantou contra o novo governo, e a Rússia ocupou a Crimeia enquanto apoiava materialmente os separatistas russos nas províncias de Donetsk e Luhansk. A situação no país continuou essencialmente assim durante os últimos 8 anos, com uma guerra "estática" nas regiões separatistas [veja no link]. Com esta situação, não é muito favorável para a Rússia se eles invadirem a Ucrânia. Embora este cenário não seja impossível, o que a Rússia deseja extrair dos recentes movimentos de tropas não é uma ocupação militar da Ucrânia, mas sim uma garantia de que a Ucrânia nunca pertencerá à esfera imperialista da OTAN, e que a Ucrânia estará sob um governo que coopera com a burguesia russa. Caso contrário, seria suficiente que a situação na Ucrânia permanecesse instável para que a Rússia impedisse sua absorção pela OTAN, assim como tem feito com a Geórgia desde 2008.


A perspectiva contra a guerra

Em qualquer caso, é nosso dever fundamental como internacionalistas opor-se a todos os passos rumo à guerra por parte de nossos governos. Devemos expor toda a propaganda da burguesia com nossa própria propaganda internacionalista, que não se alinha com nenhum lado imperialista (seja os EUA, a Rússia, a China, ou outros), mas sim que defende a independência política da classe trabalhadora.

Os trabalhadores de um país compartilham os mesmos interesses que os trabalhadores de outro. Este é um princípio fundamental do marxismo, que postula que "os trabalhadores não têm pátria". É por isso que os trabalhadores dos EUA não têm nenhum interesse em lutar contra e matar os trabalhadores da Rússia, nem os trabalhadores russos contra os trabalhadores ucranianos, etc. Se eles nos enviarem para os campos de batalha, temos que fazer como os soldados russos, alemães e franceses fizeram durante a Primeira Guerra Mundial, ou como muitos soldados americanos fizeram durante a Guerra do Vietnã; isto é, recusar matar nossos companheiros trabalhadores sob uma bandeira diferente, e fazer guerra contra aqueles que nos enviam para guerrear!

Mas não se pode começar a luta contra a guerra imperialista no vácuo. Temos que contextualizar as recentes maquinações da burguesia mundial dentro da crise global do capitalismo, que agora se estende 50 anos atrás até o início dos anos 70. A burguesia não percorre o caminho da guerra apenas porque sente vontade, mas porque descobre que, além de atacar a classe trabalhadora, é o único caminho para aliviar sua crise cíclica da tendência de queda da taxa de lucro ao longo do tempo. Além disso, enquanto a crise continua se exacerbando em seu impacto sobre a classe trabalhadora, as mobilizações e a propaganda nacionalistas são ferramentas úteis para distrair nossa classe. Em vez de reconhecer que os patrões são nossos inimigos, nossos patrões querem nos enganar para que pensemos que nossos inimigos estão além da fronteira.

A classe operária é a primeira vítima da crise do capitalismo, seja na forma de seus ataques contra nossas condições (por exemplo, durante toda a crise do capitalismo de Covid, os salários da classe operária foram reduzidos devido à inflação, entre outros fatores), seja na forma de serem usados como peões da burguesia em seus conflitos imperialistas. É por isso que temos que tomar consciência de que a classe operária é a única força capaz de pôr fim à guerra. Isto pode ser conquistado através da luta de classes. Atualmente as respostas da classe trabalhadora contra os ataques da classe capitalista são muito desproporcionais; embora nossos padrões de vida tenham se tornado cada vez mais precários, não há uma resposta generalizada por parte de nossa classe. No entanto, há esperança. Nos últimos dois anos nos EUA houve um aumento das greves, e embora o número total seja relativamente pequeno, especialmente quando se compara com décadas passadas, isso nos indica que a classe trabalhadora está tentando recuperar sua voz de alguma forma [acrescentaríamos também: link]. E no Irã, por exemplo, a classe trabalhadora é uma inspiração para todos nós. Lá a classe trabalhadora está mostrando um nível incrível de combatividade, com cerca de 100.000 trabalhadores do petróleo organizando suas próprias greves e comitês de luta fora do controle dos sindicatos, demonstrando um caminho a seguir para outros trabalhadores no Irã, bem como para os trabalhadores em todo o mundo.

Se realmente queremos pôr um fim à guerra, nós, como internacionalistas revolucionários, devemos participar de todas as maneiras que pudermos nestas lutas de nossa classe. Devemos apontar para o resto de nossa classe a necessidade de organizar nossas próprias lutas e de não delegar nosso poder a ninguém, sejam eles os sindicatos ou qualquer partido. Sim, agora somos pequenos, nadando em um mar de contrarrevolução e reação. Mas através de nossos esforços, podemos construir um corpo internacional da seção mais consciente da classe trabalhadora, que possa atuar como ponto de referência para o resto de nossa classe nas batalhas do futuro. Isto não pode ser um governo em espera, mas sim uma ferramenta nas mãos dos trabalhadores. Esta é a tarefa que a Tendência Comunista Internacionalista pretende cumprir; para a sobrevivência da humanidade, esperamos ser bem sucedidos.

É com isto que terminamos dizendo:

Nenhuma guerra, senão a guerra de classes! Abaixo os movimentos em direção à guerra por parte das burguesias dos EUA e da Rússia! Pela luta independente de nossa classe!

- Felix
Internationalist Worker's Group

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Nem ucraniano nem russo! - Vamos desenvolver nosso próprio campo, o terceiro campo, o da revolução social! - TŘÍDNÍ VÁLKA - 2014 [traduzido da versão em espanhol em auxílio com a inglesa e francesa, alguns links fora do ar devido à censura do governo ucraniano.]



Quando escrevemos há alguns meses em nosso texto, "Preparativos de guerra entre Ucrânia e Rússia - Show ou Realidade?", que as condições para uma nova guerra estavam maduras na Ucrânia, muitos camaradas expressaram dúvidas ou até mesmo discordâncias com tal afirmação categórica. Agora podemos dizer que o conflito na Ucrânia mudou claramente da fase "fria" para a fase "quente" e que o que estamos testemunhando atualmente no leste do país é a guerra em todas as definições. De Lougansk, na fronteira com a Rússia, a Mariupol, na costa do Mar Negro, duas forças militares competem em confrontos diários ao tentarem ampliar a área sob seu controle, lutam tanto em terra quanto no ar, tanto no campo como nos centros industriais, artilharias bombardeiam vilas, forças aéreas bombardeiam cidades (sob o pretexto de que seu inimigo usa os habitantes como escudos vivos), homens, mulheres e crianças morrem sob as bombas e mísseis... Em quatro meses de conflito armado, mais de 2.000 civis e militares foram mortos e outros 6.000 feridos; 117.000 proletários foram deslocados internamente e outros 730.000 encontraram refúgio na Rússia. No momento em que estávamos a ponto de terminar este artigo, corpos mortos foram espalhados pelas ruas de Donetsk, apanhados em um controle ofensivo do governo.

No mesmo texto também escrevemos que a única resposta do proletariado à guerra é organizar e desenvolver o derrotismo revolucionário, ou seja, se recusar a se juntar a um ou outro campo na prática e, ao contrário, construir conexões entre proletários de ambos os lados do conflito através da luta contra ambas as burguesias. Como mesmo neste campo as coisas se desenvolveram, nosso texto merece (três meses após sua publicação) um post-scriptum.

Este texto é baseado em informações extraídas de diferentes fontes (que citamos nas notas de rodapé [aqui através de links inseridos no próprio texto]) desde blogs militantes até a mídia oficial. Esta breve descrição dos eventos na Ucrânia exigiu horas e horas de trabalho cuidadoso, pesquisando informações, lendo textos, assistindo vídeos, comparando dados diferentes, etc. Gostaríamos de enfatizar duas coisas: Primeiro, o fato de que os eventos que descrevemos aqui não foram cobertos pela BBC ou Euronews não significa que eles não aconteceram, que nós os inventamos (várias fontes esquerdistas e também a mídia ucraniana e russa os descrevem). Em segundo lugar, é claro que as notícias que recebemos da Ucrânia são caóticas, incompletas e às vezes contraditórias. Isto não significa, no entanto, que devemos desistir de nossa tentativa de entender o que está acontecendo lá. Acreditamos que devemos enfrentar o relato seletivo do Estado com uma posição crítica e radical do movimento anticapitalista; devemos desenvolver e compartilhar informações e análises que vejam o mundo através de um prisma de perspectiva revolucionária.

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A ideologia da guerra (baseada na defesa de um Estado nacional unido de um lado ou no direito a uma autodeterminação e simpatias pró-russos do outro) está se enraizando na Ucrânia, organizações da sociedade civil organizam campanhas de arrecadação de fundos para apoiar o exército, papas abençoam o armamento deste ou daquele lado e a televisão repete cenas de babushkas [idosas, na Rússia] fornecendo ao homem armado seu último frasco de compota. Nem todos os proletários, contudo, se deixam sofrer lavagem cerebral com a propaganda de guerra de um ou outro lado, nem todos eles querem se sacrificar "por sua pátria". Expressões de recusa prática de massacres bélicos aparecem sempre em maior número e ambos os lados do conflito têm grandes dificuldades em recrutar nova mão-de-obra para seu massacre mútuo.

Milhares de soldados do exército ucraniano enviados pelo governo nas chamadas operações antiterroristas (ATO) no leste do país, desertaram ou mudaram para o outro lado com todo o equipamento, incluindo tanques e veículos blindados. Como exemplo, a 25ª brigada aérea ucraniana (tropa de elite por excelência), cujos militares foram acusados de "demonstrar covardia" durante os combates em Kramatorsk, foi dissolvida por instrução presidencial em 17 de abril depois de expressar sua recusa de "lutar contra outros ucranianos". Recentemente, 400 soldados da mesma unidade desertaram e fugiram para o lado russo da fronteira depois de terem ficado sob tiroteio intenso e sem munição. Estes soldados, que serão, como a Rússia já anunciou, extraditados para o território ucraniano, declararam que preferem ser acusados de deserção do que continuar matando e sendo mortos na guerra e morrer no fronte oriental. Todos esses desertores dizem que não querem lutar contra "seu próprio povo" e também denunciam as condições desesperadas de vida que têm que enfrentar no exército - salário miserável, comida nojenta ou mesmo nenhuma comida, etc. Outras unidades ainda não foram implantadas no leste por causa de sua falta de confiabilidade. Assim como o ex-presidente Yanukovych não pôde usá-los para reprimir os manifestantes, o governo atual ousa menos ainda enviar ao combate tropas conhecidas por sua lealdade mínima.

Cerca de 1.000 soldados de unidades da região de Volhynia se amotinaram em Mykolayiv em 29 de maio. Os soldados do 3º batalhão da 51ª brigada recusaram-se a ser enviados para o fronte, recusaram as ordens de seus superiores e começaram a descarregar seus equipamentos pesados e outros materiais já preparados para o transporte. Depois de sua unidade ter sofrido grandes perdas durante um confronto com separatistas perto da vila de Volnovakha, eles se comprometeram a voltar para seu quartel permanente em Rivne. Ao invés disso, eles foram movidos do leste para o sul, depois retornaram ao seu local de partida, de modo que se poderia finalmente dizer que continuarão seu treinamento antes de serem enviados de volta para o fronte. "Tendo perdido a confiança em seu General à luz dos acontecimentos mais recentes em Volnovakha e durante o funeral em Rivne, bem como devido à traição de seus generais, os soldados iniciaram uma rebelião aberta

O 2º Batalhão da 51ª Brigada, que estava ao mesmo tempo no quartel de Rivne e testemunhou os funerais dos soldados do 3º Batalhão mortos no tiroteio de Volnovakha, assim como a caótica e enganosa condução das operações, também se amotinou. "Os generais nos diziam 'vamos para o norte', depois 'vamos para o sul', ao ponto dos soldados estarem prontos para atirar neles. Os generais começaram a usar coletes à prova de balas por medo do fragging[3]." Aproximadamente 1.200 soldados participaram do motim, recusaram-se a ser transferidos para Mykolayiv. "Foi-nos prometido, quando eles foram mobilizados, que ficaríamos de guarda entre a fronteira ucraniana e bielorrussa. Estávamos prontos para isso, mas não para atacar esses palhaços de Donbass."

Uma rebelião parecida estourou também em Poltava.

Quatro dias depois, após seis soldados da região de Volhynia serem mortos, mães, esposas e pais dos soldados da 51ª brigada bloquearam estradas na região de Volhynia para protestar contra o contínuo deslocamento da unidade em Donbass. 

As manifestações e protestos organizados por mulheres e outros parentes de recrutas exigindo o retorno dos soldados para casa ou a interrupção de sua partida para o fronte espalharam-se durante esse tempo para outras regiões da Ucrânia (Bukovina, Lviv, Kherson, Melitopol, Volhynia, etc.). As famílias dos soldados bloquearam as estradas com árvores caídas na região de Lviv no início de junho. Uma manifestação dos pais bloqueou a entrada do escritório de recrutamento militar em Lviv alguns dias depois. Em Iavorivo (região de Lviv), membros de uma família ocuparam um campo de treinamento da 24ª brigada mecanizada e exigiram parar a partida para a linha de frente. Manifestações dos pais em Dnipropetrovsk e Kharkov exigiram o retorno dos soldados às suas regiões de origem. As mulheres Kharkov ocuparam o aeroporto militar local. O escritório local de recrutamento militar em Kherson foi ocupado pelas mães e esposas dos soldados. Elas exigiram o fim da guerra com frases como: "Mulheres contra a guerra", "Onde os filhos dos oligarcas prestam seu serviço militar?" ou "Nossos filhos não são bucha de canhão". Em Tchernivtsi, as mulheres bloquearam a rodovia para Khitomir por vários dias e pediram o retorno dos soldados para casa. No dia 24 de junho, os pais montaram um bloqueio de estrada no quilômetro 125 da avenida Kiev-Tchop, carregando faixas dizendo "Devolvam nossos filhos, enviem os filhos dos generais para o Leste". Em 8 de junho, um grupo de 100 pais de soldados bloqueou as tropas da 3033ª unidade militar baseada em Melitopol, região de Zaporojie. O protesto conseguiu impedir que os soldados fossem enviados para o fronte. Os pais envolvidos no movimento de protesto também questionaram a propaganda estatal que os descreve como "separatistas pró-russos": "Ontem a notícia dizia que "separatistas pró-russos organizaram um bloqueio da unidade militar", mas não havia nenhuma menção à Rússia no portão de entrada da unidade militar! Não queremos perder o salários de nossa família (...): Donetsk é um massacre e nossos filhos têm 20-21 anos de idade. (...) Vejam, somos mães! Como podem nos chamar de separatistas?", declarou uma das manifestantes. Mães e esposas de soldados protestaram contra o envio para o fronte, na base militar de Ternopil em 15 de julho.

E esta não é a primeira vez que as famílias dos soldados confrontaram com ações militares. Durante o período em que o resultado acabou sendo a queda do ex-presidente Ianukóvytch, pais e outras pessoas organizaram reuniões em frente ao quartel e discutiram com os soldados para trazer-lhes informações sobre o que estava realmente acontecendo nas ruas e para convencê-los a se recusarem a participar de uma possível repressão contra os manifestantes.

Enquanto isso, novos homens continuam a ser recrutados para o exército. Mesmo que sejam recrutados como parte do serviço militar obrigatório, o governo os faz parecer com voluntários. "Não somos voluntários (...) não queremos matar pessoas (...) não vamos a lugar algum, vamos nos livrar de nossos uniformes e vamos para casa", proclamaram os conscritos em um comício de protesto em Lviv.

Após a entrada em vigor do decreto presidencial de Porochenko sobre a terceira onda de mobilização das forças militares, em 24 de julho, cuja consequência é o envio de milhares de proletários para a frente de batalha, eclodiram tumultos em várias localidades da Ucrânia ocidental com uma força maior: na cidade de Voloka, toda a população resistiu ao alistamento de 50 homens. "Eles que começaram, que eles mesmos resolvam seus próprios problemas. Morreremos, mas não daremos nossos filhos. Eles devem entender isso e não vir aqui com ordens de mobilização", declara um manifestante idoso. Os pais dos soldados bloquearam uma estrada perto da aldeia de Korovia em 25 de julho exigindo o fim da mobilização e que os filhos das autoridades públicas fossem enviados para o fronte. No mesmo dia, uma estrada no distrito de Oboukhivs'kyi, perto de Kiev, também foi bloqueada pelos parentes dos soldados. Os bloqueios continuaram a partir de 28 de julho em pelo menos 7 localidades da região de Bukovina e a estrada Kiev-Tchop também foi bloqueada, uma vez mais. Durante uma manifestação antiguerra em frente ao escritório do alistamento em Novoselysa, os manifestantes atacaram um membro do conselho municipal que estava tentando falar com eles. Habitantes de muitas localidades da região de Ivano-Frankivsk invadiram o escritório da administração militar local em 22 de julho e acenderam uma fogueira com ordens de mobilização e outros documentos relativos à mobilização. O mesmo evento ocorreu no mesmo dia em Bogoodchany. Em diferentes vilarejos, uma grande quantidade de pessoas incendiou seus documentos de alistamento distribuídos pelo correio. Em Moukatchevo, em Transcarpathie, a situação se agravou a tal ponto que o comando militar local, preocupado que os protestos continuavam, por enquanto, suspendeu a mobilização e prometeu que nenhum dos habitantes locais seria enviado à frente num futuro próximoOutras mobilizações militantes contra a guerra ocorreram novamente na região de Zaporojite no dia 4 de agosto, bem como em frente ao parlamento em Kiev no dia seguinte.

Kiev, que atualmente não pode contar com seu exército regular, está portanto dependente de exércitos privados de alguns oligarcas e da Guarda Nacional, uma milícia voluntária formada principalmente por nacionalistas do Pravyi Sektor (setor de direita) e do partido Svoboda (Liberdade) durante o movimento de protesto contra Ianukóvytch. As novas unidades da guarda nacional não são formadas principalmente para ações militares, mas sim para reprimir motins e protestos massivos, como foi revelado durante seu desfile em Kiev no final de junho. Por outro lado, centenas de fascistas da Assembleia Nacional de socialistas e patriotas ucranianos já haviam atacado em junho uma manifestação contra a operação antiterrorista que havia acontecido em Kiev.

No entanto, os membros da Guarda Nacional não estão de fora das contradições que abalam as duas frentes. A Radio Free Europe publicou recentemente um vídeo mostrando um soldado da Guarda Nacional reprovando o governo por não poder fornecer comida, água e armas suficientes para os voluntários. "Somos usados como bucha de canhão", diz ele. As condições materiais chegam até mesmo àqueles que pensam estar ideologicamente acima delas.

Mercenários de todo o mundo também estão lutando no campo de Kiev, contratados pelo governo ou por agências privadas (tropas mercenárias da Polônia, da República Tcheca, da ex-Iugoslávia, mas também da África Equatorial).

O recrutamento de novos combatentes não vai de acordo com as vontades dos senhores de guerra locais nem mesmo no campo separatista. A maioria dos mineiros da região de Donbass ainda se recusa a se juntar a seu lado. Em vez disso, formaram unidades de autodefesa que tomam posição contra os separatistas e as tropas do governo. Uma dessas unidades enfrentou os separatistas e os impediu de explorar uma mina na aldeia de Mikivka. Em Krasnodon, na região de Lougansk, os mineiros organizaram uma greve geral em maio e assumiram o controle da cidade. Eles se recusaram abertamente a se juntar ao campo dos separatistas "anti-Maïdan" em Lougansk ou ao campo dos oligarcas do Maïdan em Kiev, e em vez disso exigiram um aumento em seus salários e uma suspensão da contratação de mão-de-obra mineira por agências privadas.

Mineiros em seis minas na bacia de Donbass iniciaram uma greve no final de maio para exigir o fim da operação antiterrorista no leste do país e a retirada das tropas. Sua ação foi o resultado de sua própria iniciativa e não foi de forma alguma imposta por homens armados da República Popular de Donetsk, como alguns meios de comunicação mais tarde afirmaram. De acordo com os grevistas, a guerra prejudica a própria existência das minas e causa desemprego. "Na segunda-feira, 26 de maio, no momento em que o exército ucraniano iniciou o bombardeio das aldeias, os mineiros simplesmente não voltaram ao trabalho, por causa do "fator externo" de hostilidades, acontecendo quase às suas portas, o que aumentou seriamente o risco de acidentes de trabalho. Por exemplo, se uma bomba tivesse atingido a subestação elétrica, os mineiros teriam ficado presos no subsolo, o que inevitavelmente significaria a morte." A greve foi iniciada por cerca de 150 mineiros da mina Oktyabskiy e se espalhou como uma reação em cadeia para outras em Donetsk (Skochinskiy, Abakumov, "Trudovskaya", etc.), mas também para minas em outras cidades, em particular Ougledar ("Yuzhnodonbasskaya n°3"). Nas minas onde o proprietário é Rinat Achmetov, o homem mais rico da Ucrânia, dono de um império industrial que controla quase toda a parte oriental do país, os trabalhadores foram forçados a trabalhar, continuaram descendo para as minas, apesar do bombardeio nas proximidades. Por iniciativa dos mineiros da mina Oktyabrsky também (e novamente sem qualquer apoio da República Popular de Donetsk), uma manifestação antiguerra de milhares de participantes foi organizada em 28 de maio. Em 18 de junho, milhares de mineiros manifestaram-se novamente no centro de Donetsk para um fim imediato das operações militares. Os participantes argumentaram que eles não eram separatistas, mas o povo comum de Donbass. Eles também declararam que se o governo de Kiev não respondesse às suas exigências, eles pegariam em armas.

Tanto os separatistas quanto os oligarcas locais pró-Kiev tentam manipular e interpretar essas assembleias caóticas e contraditórias de acordo com seus próprios interesses. Rinat Achmetov, o oligarca de Donetsk, organizou sua própria "greve" por uma Ucrânia unida, enquanto os separatistas tentavam fazer as manifestações dos mineiros parecerem uma expressão da posição pró-russa dos trabalhadores de Donbass.

Apesar dos slogans nacionalistas ou separatistas aparecerem nas manifestações dos mineiros, os trabalhadores não querem se juntar à Milícia Popular de Donbass. Um dos comandantes separatistas, Igor Girkin, reclamou recentemente em público que os locais levaram armas de seu arsenal, mas, em vez de servir às milícias separatistas, as levaram para casa para proteger suas famílias e vilarejos contra ambos os lados do conflito. Os separatistas continuam confiando nas quadrilhas criminosas locais que (após terem sido pagas) lhes permitiram assumir o controle de edifícios públicos, escritórios de polícia, depósitos de armas, estradas principais e da mídia na região de Donetsk e Lougansk. A maioria das forças separatistas são, no entanto, constituídas por mercenários do outro lado da fronteira (russa), em particular os velhos combatentes das guerras na Chechênia.

Se o verdadeiro movimento antiguerra, o movimento do derrotismo revolucionário, deseja sucesso, deve tornar-se não só maciço e difundido, mas também organizado e estruturado. Temos apenas poucas informações sobre as estruturas organizacionais do movimento na Ucrânia. Podemos concluir sobre a existência de certas estruturas a partir dos próprios eventos (manifestações ou greves repetidas por milhares de pessoas não podem ser o resultado de uma explosão espontânea de raiva, da mesma forma que os protestos dos pais dos soldados, como descrevemos acima, exigem um certo nível de coordenação, uma colaboração organizada para o conteúdo e planejamento prático), a existência de outras estruturas formais ou informais é confirmada por informações incompletas que obtivemos do campo. Algumas associações já existentes foram transformadas em quadros de centralização das atividades antiguerra - por exemplo, a Comunidade de Pais da região de Donetsk "Kroha", que publicou um apelo limitado, contraditório e pacifista à população em 10 de junho: "Nós, os pais da região de Donetsk, chamamos vocês, políticos, figuras públicas e pessoas interessadas. Ajudem-nos a salvar o povo de Slaviansk, Krasnyi Liman, Kramatorsk, detenham as operações militares. Queremos ajudar a fazer as pessoas entenderem a verdade sobre o que está acontecendo nessas aldeias. Após muitas semanas, as pessoas estão vivendo sob ataques incessantes da artilharia. Os civis estão morrendo constantemente. As crianças foram feridas, a morte de três bebês está confirmada. As casas, hospitais, jardins de infância e escolas estão desmoronando. As pessoas, incluindo crianças, vivem em permanente estado de tensão, escondidas sob o solo por várias horas de ataques que nunca param. (...) Pedimos sua ajuda para salvar a vida dessas pessoas e para deter as ações militares." Outra associação, as Mães de Donbass, afirma em sua declaração: "Queremos viver. Nós, pessoas comuns, maridos e esposas, pais e filhos, irmãs e irmãos. Nós, civis pacíficos, somos os reféns do conflito em nossa região, as vítimas dos confrontos militares. Estamos cansados do medo e aspiramos à paz. Queremos viver em nossas casas, caminhar nas ruas de nossas cidades, trabalhar nas empresas e organizações de nossa região, e cultivar nossa terra. (...) Nós, as mães de Donbass, insistimos na cessação imediata da operação antiterrorista e das ações militares em nossa região! (...) Estamos certas de que o conflito em nosso país pode ser resolvido pacificamente! Parem a guerra! Evite a morte de crianças! Salve o povo de Donbass." A Voz de Odessa organizou uma manifestação antiguerra no dia 13 de julho em Odessa. Os participantes gritaram frases como "Somos contra a guerra!", "Parem a operação antiterrorista no Leste" e "Queremos paz"! Durante este flash mob [4], foram transmitidas gravações de áudio assustadoras de tiros de artilharia e do impacto sobre civis. Em Kharkov, as associações locais antiguerra (entre outras, o movimento feminino de Kharkov, "Kharkivianka") organizaram uma manifestação no dia 20 de junho em frente à fábrica de carros VA Malyshev. Esta fábrica recebeu um comando de 400 veículos blindados a serem enviados para ao fronte. As manifestações exigiram o cancelamento do comando e difundiram slogans como "Não à guerra" ou "Pare o massacre sem sentido".

Durante este tempo, a situação social e econômica em toda a Ucrânia se agravou. A desvalorização da moeda local, o aumento dos preços de produtos básicos, transporte e serviços, bem como a redução da produção em várias empresas, levam a uma queda acentuada dos salários reais, estimada em 30-50%. O governo de Kiev, sob pressão das instituições financeiras internacionais, tem que adotar uma série de medidas de austeridade que irão piorar as condições de vida do proletariado e, ao mesmo tempo, está preparando a maior onda de privatizações em 20 anos. Desde maio, o governo central interrompeu o pagamento de salários aos funcionários públicos, benefícios sociais e pensões nos territórios que não estão sob seu controle, milhares de trabalhadores estão sem renda. A situação nas regiões onde as operações militares estão ocorrendo é ainda pior - o fornecimento de eletricidade e água está cortado, medicamentos e alimentos são escassos.

Os distúrbios sociais causados por esta situação aparecem depois de um tempo. Entre eles, as greves dos mineiros na parte oriental do país e os proletários nas regiões ocidentais também começam a ficar fartos. Os mineiros de Krivoy Rog iniciaram uma greve geral em maio exigindo um aumento de seus salários ao dobro. Eles começaram a organizar milícias armadas de autodefesa. Em sua declaração dirigida aos trabalhadores de toda a Europa, eles descrevem os oligarcas russos e ucranianos, em qualquer campo que sejam (separatistas ou de Kiev), como a principal razão da crise: "Nós lhes pedimos que apoiem nossa luta contra os oligarcas, que provocaram a atual crise na Ucrânia e que prolongam a desestabilização, ameaçando iniciar uma guerra fratricida na Ucrânia que sem dúvida terá consequências catastróficas para toda a Europa".

Muitas manifestações por "condições de vida dignas", contra aumentos de preços e por salários e pensões mais altos acontecem em diferentes cidades de todo o país. (Uma série de ações contra o aumento dos preços de hospedagem e tarifas de serviços públicos ocorreu em Kiev no final de junho e em julho. Em 1º de julho, ocorreu uma manifestação contra o aumento de preços em Kharkov. A manifestação mais importante até agora ocorreu em Kiev no dia 24 de julho com slogans como "Redução da renda dos oligarcas, não do povo" e "Não roubar dos cidadãos comuns". No início de agosto, o último quadro do último quadro do Partido Comunista da Ucrânia foi o "Oligarcas e o povo".

No início de agosto, o último quadro de combatentes ainda ocupando a Praça Maïdan em Kiev ("porque nada mudou!") foi atacado por dois batalhões da Guarda Nacional a fim de evacuá-los. Eles agiram sob a ordem do novo prefeito de Kiev, Vitali Klitchko, que provou mais uma vez que a palavra de um político burguês (no início do ano, ele havia pedido aos ocupantes que não evacuassem a praça "enquanto não houvesse uma mudança real na Ucrânia") compromete apenas aqueles que acreditam... No entanto, conflitos violentos eclodiram durante a evacuação, que mais uma vez a imprensa burguesa internacional se absteve de mencionar, pois é verdade que o governo de Kiev é um aliado ocidental e "o horror definitivo" só pode ser encarnado pelos separatistas do leste.

A República Popular de Donetsk procura restringir o movimento dos mineiros, que estão mais preocupados com seus interesses materiais do que com qualquer ideologia, jogando com os interesses e exigências dos grevistas aos quais havia prometido a nacionalização dos complexos industriais e os interesses dos oligarcas aos quais havia prometido a inviolabilidade da propriedade privada.

O movimento antiguerra, embora de momento limitado tanto no espaço quanto no conteúdo, desencadeou greves e manifestações operárias organizadas não por uma ideologia, mas pelos interesses materiais do proletariado de ambos os lados, o que confirma o que escrevemos no texto anterior: "(...) o desencadeamento da guerra imperialista (...) não significa necessariamente o colapso definitivo do proletariado. De fato, historicamente, se a guerra significa antes de tudo uma relativa supressão, ela pode então determinar dialeticamente uma retomada das lutas ainda mais forte quando mostra as contradições e a iminente brutalidade do sistema capitalista".

Contudo, recorrentemente vemos os chamados "revolucionários" defenderem a operação antiterrorista, porque acreditam que ela permitirá um retorno à luta de classes "habitual". Apesar disso, podemos ler (embora de forma fragmentada e contraditória) as notícias sobre os "anarquistas" ativos nas estruturas administrativas dos separatistas, pois os consideram um mal menor em comparação com o governo de Kiev.

Não apoiamos de forma alguma a guerra e suas atrocidades e estamos cientes de que todo conflito militar significa o agravamento das condições de vida dos proletários. Entretanto, como comunistas, não podemos adotar a tese de que podemos evitar um conflito militar apoiando um campo ou outro em uma guerra. O proletariado não tem interesse em preservar as condições atuais ou passadas de sua miséria. O proletariado não tem pátria a defender. O campo do proletariado em qualquer guerra é a ação unida e intransigente dos proletariados dos dois campos concorrentes contra os dois campos em guerra da burguesia.


A luta contra a guerra significa derrotismo revolucionário! 

Frente revolucionária proletária contra a burguesia dos dois campos beligerantes!

Enfrentemos a guerra com ação direta, sabotagem, greve geral radical e militante!

Solidariedade de classe com os revolucionários derrotistas de todos os campos!


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Proletários na Rússia e na Ucrânia! Na frente de produção e na frente militar... Camaradas! TŘÍDNÍ VÁLKA


"Nenhuma guerra, senão a guerra de classes" (ambos).

Rumores de guerra ressoam ruidosamente novamente na Europa, canhões são carregados, caças-bombardeiros são carregados com balas e bombas assassinas, mísseis apontam suas ogivas nucleares para seus objetivos futuros.

Estas palavras que escrevemos em 2014 são hoje mais relevantes do que nunca a respeito do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Se o capitalismo é visceralmente um criador de males, gerando miséria, crises climáticas e de saúde, nós quase "esquecemos" que ele foi e continua sem dúvida um belicista! Hoje, a ofensiva militar é lançada: existem relatos de bombardeios em Donbass, Odessa, Kiev, Mariupol, Khakov...

Proletários com uniforme russo. Há anos, vocês têm sido enviados ao redor do mundo para proteger os interesses da "Nação Russa". Começou com a "defesa da integridade territorial da Rússia" contra os separatistas do Norte do Cáucaso, depois continuou com a "proteção dos ossetianos na Geórgia", somente para culminar na "proteção dos irmãos e irmãs russos contra as hordas de Bandera na Ucrânia" e a proteção do "governo legítimo da Síria, contra os terroristas islâmicos".

História semelhante foi contada a gerações de proletários, tanto "soldados" quanto "civis", em todos os conflitos capitalistas anteriores no mundo todo, a fim de fazê-los sangrar na frente militar ou nas fábricas na retaguarda, na frente de produção, na frente doméstica... Eles lutavam pelo "Czar", pelo "Socialismo", pela "Nação", pela "Democracia", pelo "Lebensraum", pelo "Cristianismo" ou pelo "Islamismo". E o mesmo conto de fadas é contado aos proletários com uniforme dos EUA, Turquia, Reino Unido, Israel, Ucrânia, Síria controlada por Assad, Daesh, Rojava, Geórgia, Donetsk e Lugansk, Irã, regiões administradas pelo Hezbollah, Hamas... e qualquer outra comunidade nacional, regional, religiosa ou outras comunidades falsas.

Proletários em uniforme ucraniano. Sua própria burguesia faz-lhe acreditar que vocês têm uma pátria para defender do "agressor russo", que vocês devem se juntar a seus próprios exploradores e exigir que a Ucrânia adira à União Europeia ou à OTAN. Mas como todos os proletários do mundo inteiro, vocês só têm a perder suas correntes de escravos assalariados.

Proletários na frente doméstica. Mais uma vez, vocês estão sendo aconselhados a sacrificarem-se, a serem "mais produtivos", a serem "mais flexíveis", a "adiarem" a satisfação de suas necessidades imediatas (mesmo ao ponto de preferir passar fome, do que comer "comida do inimigo"), etc. Tudo isso para o bem maior da Nação. É dito a vocês que apoiem inquestionavelmente esta ou aquela "Guerra Santa", que esqueçam as greves e a interrupção da produção de material bélico, que enviem voluntariamente seus filhos, irmãos, maridos e pais para se tornarem mártires para os lucros de seus mestres burgueses.

O Capital e seu Estado sempre encontraram uma maneira de transformar os proletários em carne de canhão e deixá-los massacrar uns aos outros sob a bandeira desta ou daquela "Pátria". Como se nós, o proletariado, a classe explorada, tivéssemos qualquer país a defender. Como se os "interesses nacionais" representassem algo mais do que os interesses da classe dominante. A guerra e a posterior contenda pela reconstrução não são mais do que uma forma concreta de competição entre várias facções capitalistas. É uma expressão de sua necessidade de expandir seu mercado a fim de compensar a diminuição da taxa de lucro. Ao mesmo tempo, a guerra serve para dividir nossa classe em linhas nacionais, regionais, religiosas, políticas, etc., a fim de suprimir a luta de classes e quebrar a solidariedade internacional do proletariado. Em última instância, a guerra serve para descartar fisicamente a força de trabalho supérflua. Ou em outras palavras, para nos massacrar...

Soldados "russos", vocês estão posicionados na Síria ou na Ucrânia para matarem e serem mortos por pessoas que, como vocês e seus parentes em casa, são forçados a vender sua força de trabalho ao Capital para sobreviver, pessoas que fazem parte da mesma classe explorada que vocês, pessoas que são seus irmãos e irmãs proletários do "outro lado". Todas aquelas aventuras, exercícios militares e corridas armamentistas estão começando a aleijar a capacidade do Capital de apaziguar o proletariado atirando-lhe migalhas da mesa burguesa.

O capitalismo só pode nos trazer exploração, miséria, alienação, guerra e destruição, como sempre fez. O proletariado global está na encruzilhada: erguer-se contra ele ou sucumbir ao maior moedor de carne humana da história. Em todo o mundo, conflitos militares mais ou menos abertos e impasses entre várias facções burguesas estão se exacerbando. Alianças e contra-alianças estão sendo formadas e rompidas, com uma centralização cada vez mais óbvia em poucos superblocos. A Ucrânia está no centro de tudo isso e a guerra lá ameaça escalar em conflito global, que tem um potencial para acabar com toda a vida neste planeta.

Assim como no Irã, Iraque, Chile, Líbano, Colômbia e muito recentemente no Cazaquistão, a única alternativa para o proletariado na Rússia e na Ucrânia é intensificar o confronto com o Estado e atacar diretamente suas instituições e expropriar os bens e meios de produção. Não nos limitemos a protestar nas ruas, mas difundamos e generalizemos as greves e desenvolvamos a luta de classes na frente produtiva! Vamos transformar a luta dos parentes dos soldados, que no passado mostraram repetidamente uma forte postura anti-guerra, em uma luta derrotista revolucionária generalizada, sem limitações de qualquer ideologia legalista!

Derrotismo revolucionário significa organizar todas as ações com o objetivo de minar o moral das tropas, assim como impedir o envio de proletários para o massacre...

Derrotismo revolucionário significa organizar a maior deserção e cessar o fogo entre proletários de uniforme em ambos os lados da linha de frente, deixar fronts distantes e levar guerra, não entre proletários, mas entre classes, ou seja, a guerra de classes, para centros de superpotências de guerra...

Derrotismo revolucionário significa encorajar confraternização, rebeliões, virar as armas contra os organizadores da carnificina da guerra, ou seja, "nossa" burguesia e seus lacaios...

Derrotismo revolucionário significa a ação mais determinada e ofensiva com vistas a transformar a guerra imperialista em guerra revolucionária para a abolição desta sociedade de classes baseada na fome e na guerra, guerra revolucionária para o comunismo...

Vocês, "soldados russos" e "soldados ucranianos", proletários nos exércitos da burguesia russa e ucraniana, não têm outra alternativa (se querem viver em vez de continuar sobrevivendo, ou batendo as botas nos próximos campos de horror!) além de recusar-se a servir mais uma vez como capangas globais de seus interesses! Assim como muitos de seus antecessores na guerra da Chechênia, vamos desobedecer e não mais lutar! Assim como os soldados do "Exército Vermelho" no Afeganistão ou os soldados americanos no Vietnã, você pode balear ou "frag" seus próprios oficiais! Assim como os proletários com ou sem uniforme na Primeira Guerra Mundial, vamos amotinar e levantar-nos juntos e transformar a guerra capitalista global em guerra civil pela revolução comunista!

É claro que não queremos nos limitar nos dirigindo apenas aos proletários de uniforme russo ou ucraniano, mas também aos nossos irmãos e irmãs de classe que lutam em todo o mundo e os exortamos a seguirem e desenvolverem exemplos de derrotismo já existentes, por exemplo soldados no Irã que expressaram sua recusa em serem usados na repressão contra nossos movimentos de classe em 2018, policiais e milicianos no Iraque que fizeram o mesmo alguns meses depois durante os tumultos que envolveram metade do país de Basra a Bagdá, assim como a polícia e os militares no Cazaquistão [ver aqui], no início deste ano, que se recusaram a suprimir a revolta proletária, forçando a gendarmerie russa a intervir para restaurar a ordem capitalista...

Proletários com e sem uniforme, vamos nos organizar juntos contra o sistema capitalista de exploração do trabalho humano que está na raiz de toda a miséria, toda a opressão do Estado e todas as guerras!

Proletários, nunca esqueçam que foram nossos irmãos e irmãs de classe na época que pararam a 1ª Guerra Mundial enquanto desertaram massivamente, amotinando-se coletivamente e fazendo a revolução social!!!

Abaixo os exploradores! De Moscou a Teerã, de Washington a Kiev, ao mundo inteiro!

Contra o nacionalismo, o sectarismo e o militarismo, opomos a solidariedade proletária internacional e internacionalista!

Vamos transformar esta guerra em guerra de classes para a revolução comunista global!

Guerra de Classes - 24 de fevereiro, 2022.

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A REALIDADE DO RECRUTAMENTO FORÇADO E AS MENTIRAS DO DEFENSISMO E DO ANTIFASCISMO - Communia

Soldado conscrito russo capturado pelo exército ucraniano e trazido para a Ucrânia sob o disfarce de antifascismo.


A propaganda de guerra de alto nível, baseada nas velhas mentiras do defensismo e do antifascismo, tenta silenciar a cruel realidade do recrutamento forçado de jovens tanto na Rússia como na Ucrânia. A resistência dos jovens recrutas e suas famílias em ambos os países reafirma a necessidade de um "trabalho preparatório sistemático, perseverante e contínuo" para que os trabalhadores tomem a situação em suas próprias mãos e ponham um fim ao horror em andamento.


Recrutamento forçado para a guerra na Rússia

Passaporte de Pavel Abramov, vítima de recrutamento forçado e desaparecido na Ucrânia. Sua mãe contou os detalhes para a Novaya Gazeta.

Graças à mobilização das mães de soldados engajados no serviço militar obrigatório que foram enviados para a guerra, testemunhos sobre como o recrutamento forçado está funcionando estão começando a aparecer na mídia russa que não está vinculada ao regime de Putin.

Na Rússia, a constituição impede que os soldados conscritos entrem em guerra no exterior. Somente soldados profissionais podem participar de ações militares fora do território. É, como já observamos, uma consequência do movimento dos pais dos soldados durante a guerra no Afeganistão, que nos anos 80 confrontou o militarismo estalinista e se tornou um catalisador de greves e mobilizações clandestinas em todo o país.

A guerra atual foi precedida por um longo período de exercícios envolvendo milhares de soldados que estavam se submetendo ao "serviço militar". A participação maciça dessas tropas, que em teoria não podiam atravessar a fronteira russa, foi um dos argumentos que levavam a crer que a classe dominante russa não iria além de uma perigosa demonstração de força. Mas sob o silêncio imposto pelo exército, o alistamento forçado de milhares de meninos de 17 e 18 anos estava em andamento.

Todos aqueles que se recusaram a assinar um contrato [para se tornarem soldados profissionais] foram enviados para um "aprovisionamento", um campo de treinamento muito especial onde você tem que carregar caixas pesadas de munição o dia todo. Muitos não aguentavam e assinavam um contrato apenas para voltar às condições normais. As costas do meu filho doíam tanto que ele acabou no hospital. E ele decidiu que de lá ele não voltaria ao aprovisionamento, mas sim que iria assinar o contrato.

No dia 23 de fevereiro ele ligou no final da tarde, às dez horas. Pude perceber pelo seu tom que todos estavam em estado de choque, prostração e lágrimas. E ele disse:

"Mãe, eles nos colocaram em formação e nos disseram para atravessarmos ilegalmente a fronteira da Bielorrússia [rumo à Ucrânia], nossas instruções e a ordem que assinamos [as oficiais] se referem a Bryansk [na Rússia], e tivemos que deixar o local de implantação sem qualquer permissão [oficial]. De agora em diante, nos disseram: "Vocês não têm nada a ver com o exército russo, vocês são desertores [se os capturam]".

Isto é o que seus próprios comandantes disseram. Eu falei com outras mães e elas me disseram a mesma coisa.

Eu não dormi a noite toda. Eu me acalmei, pensando que não poderia ser verdade. Mas quando ele ligou às cinco e meia, o barulho dos aviões e os tiros já podiam ser ouvidos pelo telefone.

"Mãe, eles estão nos colocando em carros, estamos saindo, eu te amo, se eles fizerem um funeral [declarando-me morto], não acredite, certifique-se de verificar primeiro".

Eu não sei mais nada sobre meu filho. E ninguém sabe mais nada sobre seus filhos, eles não entram mais em contato.

MÃE DE UM SOLDADO RUSSO DE 23 ANOS, ONTEM EM NOVAYA GAZETA.


Recrutamento forçado para a guerra na Ucrânia

Ônibus de transporte de recrutas com placas de matrícula do exército ucraniano metralhados em Kiev por paramilitares nacionalistas que "suspeitavam" dos recrutas em um posto de controle. Tais postos se espalharam pelo leste do país para o recrutamento forçado de desertores.

Se o bloqueio informativo russo, reforçado pelo fechamento de canais de rádio e telegram que noticiam o crescente movimento antimilitarista, apenas dá um vislumbre das dimensões criminosas do recrutamento forçado, na Ucrânia são as mídias europeias e americanas, dedicadas à exaltação do nacionalismo ucraniano e à "guerra de defesa nacional", que mais fazem para cobrir de fumaça a realidade da mobilização patriótica.

Apenas alguns poucos testemunhos escapam, que sem querer rompem o vulgar relato épico, que tenta embelezar a barbárie, e desvendam a realidade: na Ucrânia, o recrutamento forçado de todos os homens entre 18 e 60 anos transformou milhares de jovens e adultos que tentam deixar o país clandestinamente em desertores. O exército e as quadrilhas paramilitares nacionalistas os caçam - às vezes literalmente - em bloqueios de estradas e piquetes fora das cidades.

O mais importante era evitar os postos de controle dos grupos paramilitares. A cada três ou quatro quilômetros, veículos particulares intervinham para retirar à força os meninos que tivessem atingido a idade de 18 anos para se juntarem às fileiras e lutar na resistência.


As mentiras do defensismo e do antifascismo

O defensismo tem sido o argumento usado para o envio de armas e equipamentos da Espanha e de outros 18 países europeus para a Ucrânia.


O recrutamento forçado expressa bem as mentiras do defensismo que são regurgitadas dia e noite pela mídia europeia, americana... e russa. Segundo este argumento, em cada guerra há uma nação agressora e uma nação agredida, e a nação agredida teria o "direito de se defender" por todos os meios disponíveis, começando com o recrutamento forçado de jovens e trabalhadores.

A questão é que o vulgar argumento sobre o direito de se defender em uma luta entre indivíduos não se aplica às nações.

As nações não são um ser único e homogêneo. Elas são divididas em classes. E a guerra não significa a mesma coisa para todos elas. Para as classes dominantes, a guerra é "a política por outros meios", ou seja, uma forma extrema e arriscada de fazer avançar seus interesses. Para os trabalhadores, a guerra significa aceitar matança e miséria para que as classes dirigentes possam obter o que querem, o que no final não é mais do que mais rentabilidade organizando e explorando a mão-de-obra.

Em outras palavras, "o direito das nações de se defenderem" - invocado tanto por Moscou como por Kiev e seus respectivos aliados - nada mais é do que o "direito" dos "donos de tudo isso" de sacrificarem a vida de milhares e até milhões de seus subordinados a fim de manter firme - ou seja, rentável - o sistema econômico que dirigem e seu controle sobre o território em que o fazem.

Por isso, na realidade, para os trabalhadores e em geral para as classes subalternas não nos importa quem é o agressor e quem é o agredido numa guerra imperialista (todas as conhecidas pelas gerações atuais), porque as principais vítimas serão sempre os trabalhadores de ambos os lados do fronte.

Por outro lado, o "defensismo" não é novidade. Foi o principal gancho para o recrutamento e o massacre de quase 60 milhões de pessoas na grande guerra imperialista de 1914. A enormidade do massacre - que só parou quando os trabalhadores transformaram a guerra imperialista em guerra civil contra a classe dominante, primeiro na Rússia e depois na Alemanha - baniu durante décadas o "defensismo" da argumentação política. Ninguém mais podia acreditar que a causa da guerra havia sido a "ambição" de um determinado governante ou governantes [5].

É por isso que, uma vez derrotada a onda revolucionária, com seu último episódio na Espanha, as classes dominantes na Rússia, França, Grã-Bretanha e EUA recorreram a uma ideologia um pouco mais sofisticada que também está voltando hoje: o antifascismo.

A propaganda norte-americana há muito vem tentando homologar o regime putinista ao fascismo, e a propaganda russa vem assimilando desde 2014 o nacionalismo no comando em Kiev ao velho fascismo ucraniano da Segunda Guerra Mundial, que eles próprios, por outro lado, reivindicam para si mesmos com o uso sem vergonha de bandeiras negras vermelhas.

Agora Putin apresenta a guerra como necessária para a "desnazificação" da Ucrânia e chama os países aliados para uma "cúpula antifascista". Enquanto isso, Zelenksy pede apoio para a Ucrânia diante de um novo nazismo; a imprensa europeia apresenta a guerra como uma batalha de vida ou morte para "defender a democracia"; e os parlamentos da Dinamarca e da Letônia encorajam seus próprios cidadãos a marchar como soldados em novas "brigadas internacionais", mais uma vez apontadas como um modelo antifascista.

Mas o que é realmente o "antifascismo"? A ideia de que se deve "sacrificar tudo menos a vitória", que se deve renunciar mais uma vez ao interesse de classe - acabar com a guerra, acabar com o capitalismo - a fim de unir-se à parte pró-democrática da classe dominante - no próprio país ou no governo de outros - a fim de defender a "democracia" de seus agressores.

Na verdade, é uma reviravolta no defensismo, mas com o mesmo resultado. A "busca do agressor" denunciada por Liebknecht, Rosa Luxemburgo, Trotsky ou Lenin na Primeira Guerra Mundial torna-se uma batalha para caracterizar o rival imperialista como "verdadeiro fascista". Mas a conclusão é sempre a mesma: a "união sagrada" com uma parte ou outra da burguesia e o sacrifício de milhões de trabalhadores no campo de batalha e nas cidades bombardeadas por interesses que não são deles, mas de seus exploradores.


Desertores e mães mostram o caminho: não há escolha entre um lado do abatedouro e o outro, mas um fim para o abatedouro.

A polícia antimotim detêm a mãe de um soldado em Petersburg.

Tanto na primeira como na segunda guerra mundial, na Coréia e em todas as guerras da era imperialista que se seguiram, a tarefa principal dos revolucionários era explicar pacientemente e com clareza, com todas as forças à sua disposição, que para os trabalhadores não se tratava de escolher lados, de morrer ou matar pela nação atacada ou pelo governo "antifascista", mas de levantar seu próprio lado, levantar-se contra as classes dirigentes e o sistema que provoca as guerras. Acabar com a guerra pondo fim à ditadura da classe que nos leva à guerra. Em duas palavras: derrotismo revolucionário.

A "crítica", naquela época e agora, da única posição possível para os trabalhadores é sua "dificuldade". Crítica vazia quando não há outra alternativa senão ir ao abatedouro para obter lucro [6]. Crítica mentirosa na medida em que é o caminho já traçado pelos "desertores" ucranianos e russos que se recusam a aceitar o alistamento obrigatório ou tentam sair da frente.

Mas mesmo que agora eles deem um lampejo importantíssimo, a verdadeira batalha de todas as guerras ainda não começou.

Na propaganda da guerra existem edifícios militares e oficiais, tanques e postos de controle. Nunca mostram que na guerra, mais do que nunca, as empresas abrem suas portas pontualmente todas as manhãs, que os trabalhadores ainda vão a fábricas e oficinas, hospitais e escritórios. Não há guerra sem "esforço de guerra". Não há guerra sem produção.

Mas, se os trabalhadores abraçarem os desertores e suas famílias, se começarem a perceber que seus interesses mais básicos não são disputados, mas destruídos no fronte, se retomarem as greves, se disputam as ruas com nacionalistas e militares, se afirmarem seu interesse comum com os trabalhadores do outro lado da linha de frente, com os desertores e os soldados que estão questionando se vão continuar... a guerra se tornará insustentável para Putin, Zelensky e todo o enxame de aliados imperialistas que agora estão encorajando o massacre criminoso em andamento.

É por isso que os militares russos, bem treinados pelo estalinismo, queriam uma "blitzkrieg" [7] que terminasse antes que o "inimigo interno" - os trabalhadores - pudesse reagir. É por isso que o governo ucraniano e a mídia internacional que os apoia estão tentando encobrir a brutalidade de um alistamento do qual milhares estão fugindo.

Tanto esta guerra quanto suas consequências só são irremediáveis se as classes dirigentes tiverem a liberdade de ir em frente com a nova deriva militarista e belicista em que estão nos embarcando.

A primeira "boa notícia" que nos chega em meio a este horror é que não vai ser tão fácil e aceitável como eles pensavam.

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A Grande Indústria (para o Trabalhador, generosamente): "Meu bom companheiro, você será bem pago por sua ação patriota de cuidado com esta gloriosa planta; você colherá todos os frutos [doença, dívida, desespero, sofrimento, loucura, impostos, honra e glória, morte, miséria, dor, deficiência e a ruína] acima do solo - eu SOMENTE pegarei as raízes!" - Cartaz da IWW, 1925.



Notas

[1] Força militar encarregada de manter a ordem.
[2] A estagflação é um conceito econômico que implica a aceleração da inflação coexistindo com altas taxas de desemprego. O termo foi cunhado em 1965 pelo então ministro de finanças britânico, Ian McLeod, como uma fusão das palavras estagnação e inflação em um discurso na Câmara dos Comuns: "Temos agora o pior dos dois mundos - não apenas inflação de um lado ou estagnação do outro".
[3] Matar ou ferir (especialmente um oficial impopular) com uma granada de fragmentação.
[4] Um tipo de "mobilização relâmpago". As pessoas se reúnem e dispersam rapidamente, como se nada houvesse ocorrido.
[5] Qualquer que seja a verdade sobre a responsabilidade direta pelo início da guerra, uma coisa é certa: a guerra que produziu este caos é o resultado do imperialismo, da tentativa das classes capitalistas de cada país de satisfazerem sua ganância pelo lucro através da exploração do trabalho humano e dos recursos naturais de todo o mundo. "Manifiesto de Zimmerwald", Trotsky, 1915, tradução nossa.
[6] A transformação da atual guerra imperialista em guerra civil é a única palavra de ordem proletária justa [...] Por maiores que sejam as dificuldades de tal transformação, os socialistas nunca desistirão de um trabalho preparatório sistemático, perseverante e contínuo nesta direção, já que a guerra é um fato. "A Guerra e a Social-Democracia da Rússia", Lênin, 1914, tradução nossa.
[7] Blitzkrieg é uma tática militar com objetivo de criar choque psicológico e consequente desorganização nas forças inimigas, através do emprego do elemento surpresa, da velocidade e da superioridade em material ou poder de fogo. Retirado de Britannica, tradução nossa.

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