Apresentação
A presente tradução foi realizada através do texto disponibilizado aqui pela ICC (International Communist Current), publicado em 2006.
Consideramos
a tradução deste artigo importantíssima visto os tópicos citados e sua
relevância para o contexto atual da luta de classes no território
brasileiro, em que impera a mobilização da classe trabalhadora para a
defesa da democracia. Não consideramos isso uma particularidade de nossa
classe nesse país, mas a maneira através da qual a burguesia vem
esmagando e recuperando as diferentes revoltas que tem acontecido, como
por exemplo no Chile. Isso também não nos é surpresa, como já dito em um material
compartilhado anteriormente nesse blog a dominação e retomada de
controle pela burguesia opera através da falsificação do conteúdo das
lutas e pela repolarização do proletariado em diferentes frentes a favor
de um ou outro lado burguês.
No contexto
brasileiro e no Chile, essa repolarização se dá no presente
principalmente pelos polos do fascismo e do antifascismo, em que a
defesa da democracia se torna a batalha mais importante para salvar o
mundo da barbárie fascista e a democracia é colocada como o maior
interesse dos explorados, que representaria um mundo capitalista
completamente livre e justo.
Por esse motivo,
consideramos que a tradução desse artigo e seu fazer conhecer entre os
círculos brasileiros seria de muita serventia, de modo a nos conectar
com o fio histórico que liga nossas lutas atuais com esses ensinamentos
históricos das experiências passadas de nossa classe.
1936: Como a "Frente Popular" na França e na Espanha mobilizou a classe trabalhadora para a guerra (2006)
Setenta anos atrás, em maio de 1936, uma enorme onda de lutas dos
trabalhadores irrompeu espontaneamente contra a exploração ampliada
provocada pela crise econômica e o desenvolvimento da economia de
guerra. Na Espanha, em julho do mesmo ano, a classe operária iniciou
imediatamente uma greve geral e pegou em armas em resposta à revolta
militar de Franco. Muitos revolucionários, incluindo alguns dos mais
conhecidos como Trotsky, interpretaram estes eventos como o início
de uma nova onda revolucionária internacional. Na verdade, eles
foram enganados pelo apoio entusiasta das multidões, por uma
compreensão superficial das forças presentes e pela natureza
"radical" de alguns dos discursos.
Com base em
uma análise clara do equilíbrio de forças em nível internacional,
a esquerda comunista italiana (em sua revista, Bilan) percebeu que
as Frentes Populares estavam longe de ser a expressão de um
desenvolvimento do movimento revolucionário. Pelo contrário, elas
mostraram que a classe estava ficando cada vez mais enredada pela
ideologia nacionalista e democrática e estava abandonando a luta
contra os efeitos da crise histórica do capitalismo. "A Frente
Popular mostrou ser o processo concreto da dissolução da
consciência de classe do proletariado, a arma destinada a manter os
trabalhadores no terreno da preservação da sociedade burguesa em
todos os aspectos de suas vidas social e política". (Bilan n°31,
maio-junho de 1936). Com grande rapidez, tanto na França como na
Espanha, o aparato político da esquerda "socialista" e
"comunista" se colocaria à frente desses movimentos. Ao
encerrar os trabalhadores na falsa alternativa do
fascismo/antifascismo, eles sabotaram o movimento de
dentro, orientaram-no para a defesa do Estado democrático e
por fim alistaram os trabalhadores na França e na Espanha no
segundo massacre imperialista mundial.
Hoje há um lento
ressurgir da luta de classes e novas gerações aparecem em busca
de alternativas radicais ao fracasso cada vez mais manifesto do
capitalismo. Neste contexto, movimentos "antiglobalização",
como o ATTAC, denunciam o liberalismo desenfreado e a "ditadura
do mercado", que "arrebata o poder político das mãos dos
Estados, e portanto dos cidadãos" e clama pela "defesa da
democracia contra a ditadura financeira". Este "outro
mundo" proposto pelos partidários da "antiglobalização" frequentemente toma medidas inspiradas nas políticas dos anos 30,
50 ou 70, quando o Estado supostamente desempenhou um papel muito
mais importante como ator econômico imediato. Deste ponto de vista,
as políticas dos governos da Frente Popular, com seus programas de
controle estatal da economia, "da unidade de todos os estratos
da população trabalhadora contra os capitalistas e a ameaça
fascista", desencadeando uma "revolução social", são
exageradas a fim de apoiar a afirmação de que "outro mundo",
que outras políticas, são possíveis dentro do
capitalismo.
Portanto, é absolutamente essencial, por
ocasião deste 70º aniversário, lembrar o contexto e o significado
dos acontecimentos de 1936:
recordar as
trágicas lições destas experiências, em particular a armadilha
fatal para a classe trabalhadora de abandonar o terreno da defesa
intransigente de seus interesses específicos para submeter-se às
necessidades de um ou outro campo burguês;
denunciar as mentiras espalhadas pela "esquerda", de que
foram a encarnação dos interesses da classe trabalhadora ao longo
destes acontecimentos, mostrando que eles foram de fato o seu
executor.
A década de 1930 foi caracterizada pela derrota
da onda revolucionária de 1917-23 e pelo triunfo da
contrarrevolução. Eles foram fundamentalmente diferentes do atual
período histórico de ressurgimento das lutas e do lento
desenvolvimento da consciência. Entretanto, a nova geração de
proletários que tentam fugir da ideologia contrarrevolucionária, se
depara continuamente com essa mesma "esquerda", suas
armadilhas e manipulações ideológicas, embora agora use as novas
roupas de "antiglobalização". Só é possível escapar
delas reapropriando-se das lições, conquistadas de maneira tão difícil,
da experiência passada do proletariado.
A Frente Popular fortaleceu a luta contra a
exploração capitalista?
A Frente Popular afirmou que
estava "unificando a força do povo contra a arrogância dos
capitalistas e a ascensão do fascismo". Mas será que elas
realmente deram início a uma dinâmica que fortaleceu a luta contra
a exploração capitalista? Foram realmente um passo para o
desenvolvimento da revolução? Para responder a isso, uma abordagem
marxista não pode se basear exclusivamente no tom radical dos
discursos e na violência das erupções sociais que sacudiram vários
países da Europa Ocidental na época. Ela toma como base uma análise
do equilíbrio de forças entre as classes a nível internacional e
para todo o período histórico. Qual foi o contexto geral de forças e
fraquezas do proletariado e de seu inimigo mortal, a burguesia,
no qual ocorreram os acontecimentos de 1936?
O produto da derrota histórica do
proletariado
A poderosa onda revolucionária forçou a
burguesia a terminar a guerra, levou a classe trabalhadora ao poder
na Rússia e abalou as fundações do poder burguês na Alemanha e em
toda a Europa Central. Em seguida, durante toda a década de 1920, o
proletariado sofreu uma série de derrotas sangrentas. O esmagamento
do proletariado alemão em 1919 e depois em 1923 pelos
social-democratas do SPD abriu o caminho para a ascensão de Hitler
ao poder. O trágico isolamento da revolução na Rússia assinou a
sentença de morte da Internacional Comunista e deixou o caminho
aberto para o triunfo da contrarrevolução estalinista, que
aniquilou toda a velha guarda dos bolcheviques e a força viva do
proletariado. Finalmente, a última centelha proletária foi
impiedosamente extinta na China em 1927. O curso da história havia
sido invertido. A burguesia havia obtido vitórias decisivas sobre o
proletariado internacional e o curso rumo à revolução mundial foi
substituído por uma marcha inexorável rumo à guerra mundial. Isto
significou o mais horrível retorno à barbárie
capitalista.
Entretanto, apesar de tais derrotas
esmagadoras dos batalhões da vanguarda mundial do proletariado,
ainda havia episódios de combatividade, às vezes importantes,
dentro da classe. Este foi particularmente o caso nos países em que
não havia sofrido uma derrota direta, nem física nem
ideologicamente, no contexto dos confrontos revolucionários de
1917-1927. Assim, no ponto alto da crise dos anos 30, em julho de
1932, uma greve selvagem irrompeu entre os mineiros na
Bélgica, que rapidamente assumiu dimensões insurrecionais. Ela partiu de um movimento contra as reduções salariais nas minas de
Borinage. Quando os grevistas foram demitidos, o movimento se
espalhou por toda a província e houve violentos confrontos com a
polícia. Na Espanha de 1931 a 1934, a classe trabalhadora se engajou
em várias lutas, que foram brutalmente reprimidas. Em outubro de
1934, todas as áreas de mineração nas Astúrias e o cinturão
industrial de Oviedo e Gijon explodiram em uma insurreição suicida,
que foi esmagada pelo governo republicano e seu exército, acabando em
uma repressão brutal. Também na França, embora a classe
trabalhadora estivesse profundamente desmoralizada e exausta pela
política "esquerdista" do PC, segundo a qual até 1934 a
revolução era iminente e era necessário "criar sovietes em
toda parte", ela ainda manifestava uma certa combatividade.
Durante o verão de 1935, diante da legislação que decretava
grandes cortes salariais para os trabalhadores do setor estatal,
ocorreram manifestações impressionantes e confrontos violentos com
a polícia nas docas de Toulon, Tarbes, Lorient e Brest. Em Brest,
depois que um trabalhador foi espancado até a morte por soldados com
a coronha de seus fuzis, os trabalhadores exasperados lançaram
violentas manifestações e tumultos entre 5 e 10 de agosto de 1935.
Estas terminaram em 3 mortes e centenas de feridos; dezenas de
trabalhadores foram presos[1].
Essas expressões de
militância contínua, muitas vezes marcadas pela raiva, desespero e
desorientação política, foram realmente "explosões de
desespero" que mostraram todas as fraquezas da situação
internacional de derrota e dispersão dos trabalhadores. A análise
de Bilan traz isto à tona em relação à Espanha:
"Se os
critérios internacionais significam alguma coisa devemos dizer que, dada
a evidência de um desenvolvimento da contrarrevolução a nível
internacional, a orientação da Espanha entre 1931 e 1936 só pode
seguir uma direção paralela [isto é, o curso contrarrevolucionário
dos acontecimentos], ao invés do curso oposto de desenvolvimento
revolucionário. A revolução só pode evoluir plenamente como
resultado de uma situação revolucionária em nível internacional."
(Bilan n°35, janeiro de 1937).
Entretanto, a fim de mobilizar os trabalhadores
daqueles países onde o movimento revolucionário não havia sido
esmagado, as burguesias nacionais foram obrigadas a recorrer a uma
mistificação específica. Nos países onde o proletariado já havia
sido esmagado em um confronto direto entre as classes, a mobilização
ideológica para a guerra por trás do fascismo ou do nazismo, ou por
trás da ideologia estalinista da "defesa da pátria
socialista", eram as formas específicas de desenvolvimento da
contrarrevolução. Naqueles regimes políticos que haviam
permanecido "democráticos", a mesma mobilização pela
guerra foi empreendida em nome do antifascismo. Para isso, a
burguesia francesa e espanhola (e outras como a burguesia belga, por
exemplo) utilizaram a chegada da esquerda ao poder para mobilizar a
classe em suporte ao antifascismo em defesa do Estado "democrático"
e para estabelecer a economia de guerra.
A posição
assumida pela esquerda em relação às lutas proletárias
mencionadas acima mostra claramente que as políticas da Frente
Popular não foram desenvolvidas para fortalecer a dinâmica das
lutas dos trabalhadores. Durante as greves insurrecionais na Bélgica
em 1932, o Parti Ouvrier Belge (POB) e sua comissão sindical se recusaram
a apoiar o movimento. Isto serviu para direcionar a raiva dos
trabalhadores também contra a socialdemocracia. Os grevistas
atacaram a Maison du Peuple em Charleroi e rasgaram ou queimaram seus
cartões de filiação ao POB e ao sindicato. A partir do final de 33, o POB
apresentou o "Plano de Trabalho", como uma "alternativa
popular" à crise capitalista, a fim de canalizar a raiva e o
desespero dos trabalhadores.
A Espanha é também uma
ilustração particularmente clara do que o proletariado pode esperar
de um governo "republicano" e "de esquerda".
Desde o início de sua existência, a República Espanhola mostrou
que não precisava aprender nada com os regimes fascistas sobre como
massacrar trabalhadores. Um grande número de lutas nos anos 30 foram
esmagadas pelos governos republicanos ou pelo PSOE até 1933. O PSOE,
que estava em oposição na época, incitou a insurreição suicida
nas Astúrias, em outubro de 34, com papeado "revolucionário".
Em seguida, isolou completamente o movimento, em conjunto com sua
união, a UGT, o que impediu qualquer extensão do movimento. Daí em diante, Bilan expôs claramente o caráter dos
regimes democráticos "de esquerda":
"De fato, desde sua
fundação em 31 de abril de 1931 até dezembro de 1931, a "guinada à esquerda" da República Espanhola - a formação do governo
Azana-Caballero-Lerroux, a amputação de sua direita representada
por Lerroux em dezembro de 1931 - não oferece de forma alguma
condições favoráveis para o desenvolvimento de posições de
classe proletárias ou para a formação de órgãos capazes de
liderar a luta revolucionária. Não se trata de forma alguma de ver
o que o governo republicano e radical-socialista deveria fazer para o
bem da (...) revolução comunista. É uma questão de analisar o
significado desta mudança para a esquerda ou para a extrema
esquerda, este concerto unânime dos socialistas aos
sindicalistas em defesa da república. Criou as condições para o
desenvolvimento das conquistas da classe trabalhadora e a direção
revolucionária do proletariado? Ou este movimento à esquerda foi
ditado pela necessidade do capitalismo de entorpecer os trabalhadores,
que haviam sido arrebatados por uma profunda explosão revolucionária,
para garantir que não seguiriam o caminho da luta revolucionária. O
caminho que a burguesia trilharia em outubro de 1934 era muito
perigoso em 1931 (...)" (Bilan n°12, novembro de
1934).
Finalmente, é especialmente significativo que os
violentos confrontos em Brest e Toulon no verão de 1935 eclodiram no
exato momento em que a Frente Popular foi formada. Como estes se
desenvolveram espontaneamente contra os slogans dos líderes
políticos e sindicais da "esquerda", esta última não
hesitou em caluniar como "provocadores" aqueles que estavam
perturbando a "ordem republicana": "nem a Frente
Popular, nem os comunistas que estão na linha de frente, quebram
janelas, saqueiam cafés ou rasgam a bandeira nacional"
(editorial Humanité, 7 de agosto de 1935).
Assim, desde o início, como Bilan mostrou
em relação à Espanha a partir de 1933, as políticas da Frente
Popular e dos governos de esquerda não se baseavam de forma alguma
numa dinâmica de fortalecimento das lutas proletárias. Pelo
contrário, desenvolveram-se contra ela, colidiram deliberadamente
com os movimentos operários que estavam num terreno de classe para
sufocar estas últimas explosões de resistência contra a
"dissolução total do proletariado dentro do capitalismo"
(Bilan n°22, agosto-setembro de 1935):
"Na França, a Frente
Popular, fiel a sua tradição traiçoeira, não deixará de apelar
para o assassinato daqueles que recusam se curvar diante do
'desarmamento francês' e que, como em Brest e Toulon, se engajam em
greves por suas próprias exigências, em batalhas de classe contra o
capitalismo e para além do domínio dos pilares da Frente Popular"
(Bilan n°26, dezembro-janeiro de 1936).
O antifascismo amarra os trabalhadores à
defesa do Estado burguês
As Frentes Populares não
"uniram as forças populares contra a ascensão do fascismo",
pelo menos? Quando Hitler chegou ao poder na Alemanha no início de
1933, a esquerda usou o avanço das facções de extrema direita ou
fascistas nos países "democráticos" para mostrar que era
necessário defender a democracia por meio de uma ampla frente
antifascista. Esta estratégia foi posta em prática pela primeira
vez na França a partir do início de 1934 e foi posta em marcha por
meio de um grande artifício. Um pretexto foi dado pela violenta manifestação
de 6 de fevereiro de 1934 em protesto contra os efeitos da crise e da
corrupção nos governos da Terceira República. Grupos da extrema
direita (Croix de Feu, Camelots du Roi) estavam envolvidos nesta
manifestação, assim como militantes do PC. Alguns dias depois,
houve uma reviravolta completa na atitude do PC, devido a uma mudança
de estratégia por parte de Stalin e do Komintern. Este último havia
decidido substituir a tática de "classe contra classe" por
uma política de reaproximação com os partidos socialistas. A partir
daquele momento, o dia 6 de fevereiro foi apresentado como uma
"ofensiva fascista" e uma "tentativa de golpe de
estado" na França.
O motim de 6 de fevereiro de 1934
permitiu à esquerda exagerar a existência de uma ameaça fascista
na França e, consequentemente, lançar uma ampla campanha para
mobilizar os trabalhadores em nome do antifascismo para a defesa da
"democracia". A greve geral convocada tanto pelo PC como
pela SFIO (Section française de l'Internationale ouvrière) a partir do dia 12 coroou o antifascismo com o slogan
"Unidade! Unidade contra o fascismo!". O PC francês
assimilou rapidamente a nova orientação e na conferência nacional
em Ivry, em junho de 1934, declarou Thorez: "No momento atual, o
fascismo é o principal perigo. É contra isto que devemos concentrar
toda a força de nossa ação proletária de massas e conquistar para
esta ação todos os estratos de trabalhadores da população". Esta
perspectiva resultou na rápida assinatura de um acordo bilateral
entre o PC e a SFIO em julho de 1934.
Desta forma, o
antifascismo tornou-se o ponto em torno do qual foi possível
reagrupar todas as forças burguesas que estavam "apaixonadas pela
liberdade" atrás da bandeira da Frente Popular. Também
permitiu que os interesses do proletariado fossem ligados aos do
capital nacional, formando a "aliança da classe trabalhadora
com os trabalhadores das classes médias" para poupar a França "da
vergonha e dos males de uma ditadura fascista", como disse
Thorez. Como extensão disto, o PC francês desenvolveu o mote "200
famílias que saqueiam a França e vendem a baixo custo o interesse
nacional". Assim, todos, com exceção destes "capitalistas",
estavam sofrendo por causa da crise e se solidarizavam uns com os
outros. Desta forma, a classe trabalhadora, e seus interesses de
classe, foram afogados no povo e na nação em oposição a "um
punhado de parasitas".
Por outro lado, o fascismo era
denunciado diariamente e histericamente como o único elemento que
levava à guerra. A Frente Popular mobilizou a classe trabalhadora em
defesa da pátria contra o invasor fascista e o povo alemão foi
identificado com o nazismo. Os slogans do PC francês chamavam
todos a "comprar francês!" e glorificavam a reconciliação
nacional. Assim, a esquerda arrastou o proletariado para defesa do
estatismo por meio do nacionalismo mais ultrajante, a pior expressão
do chauvinismo e da xenofobia.
O ponto alto desta intensa campanha foi uma
aliança eleitoral e a formação pública da Frente Popular em 14 de
julho de 1935. Para a ocasião, os trabalhadores foram obrigados a
cantar o hino nacional francês sob retratos conjuntos de Marx e
Robespierre e foram obrigados a gritar "Viva a República
Francesa dos soviets!". Ao concentrar todas as ações no
desenvolvimento da campanha eleitoral para a "Frente Popular
pela Paz e pelo Trabalho", os partidos de "esquerda"
redirecionaram as lutas para fora do terreno de classe em direção ao da
democracia eleitoral burguesa, afogaram o proletariado na massa amorfa do "povo francês" e o canalizaram para a defesa dos
interesses nacionais.
"Isto foi o resultado das novas posições
de 14 de julho, que foram uma conseqüência lógica da política
chamada antifascismo. A República não era o capitalismo, era o
reino da liberdade, da democracia que é, como conhecemos, a
plataforma do antifascismo. Os trabalhadores juraram solenemente
defender esta República contra os agitadores internos e externos,
enquanto Stalin lhes dizia para aprovar o armamento do imperialismo
francês em nome da defesa da URSS" (Bilan n°22,
agosto-setembro de 1935).
A mesma estratégia de
mobilização da classe trabalhadora no terreno eleitoral em defesa
da democracia foi utilizada em vários países. Ela os integrou na
generalidade dos estratos populares e os mobilizou para a defesa dos
interesses nacionais. Na Bélgica, a mobilização dos trabalhadores
por trás da campanha em torno do "Plan de Travail"
utilizou meios de propaganda psicológica que de forma alguma ficaram
aquém da propaganda nazista ou estalinista. Isso resultou na entrada
do POB no governo em '35. A propaganda antifascista, liderada pela
esquerda do POB em particular, atingiu o clímax em 1937 em um duelo
em Brusselles entre Degrelle, o líder do partido fascista Rex, e o
primeiro ministro Van Zeeland, que teve o apoio de todas as forças
"democráticas" incluindo o PC belga. No mesmo ano, Spaak,
um dos líderes da ala esquerda do POB, enfatizou o "caráter
nacional" do programa socialista belga. Ele também propôs que
o partido se tornasse um partido do povo porque defendia o interesse
comum e não mais os interesses de uma classe só!
Entretanto,
foi na Espanha que o exemplo francês inspirou mais claramente as
políticas da esquerda. Após o massacre nas Astúrias, o PSOE ainda focava sua propaganda em torno do antifascismo, a "frente
unida de todos os democratas" e apelava para um programa da
Frente Popular contra a ameaça fascista. Em janeiro de 1935 eles
assinaram uma aliança da "Frente Popular" com a união
UGT, os partidos republicanos e o PC espanhol, com o apoio crítico
da CNT e do POUM. Esta "Frente Popular" chamava abertamente à
substituição da luta dos trabalhadores pela luta no terreno burguês
contra sua facção fascista e a favor de sua ala "antifascista"
e "democrática". A luta contra o capitalismo foi enterrada
em favor de um ilusório "programa de reforma" do sistema,
que tinha que realizar uma "revolução democrática". Ao iludir o proletariado através desta falsa frente antifascista e
democrática, a esquerda o mobilizou no terreno eleitoral e obteve um
triunfo eleitoral em fevereiro de 1936:
"Esta [coalizão
republicano-socialista em 1931-33] foi uma demonstração conclusiva
sobre o uso da democracia como meio de manobra para manter o regime
capitalista. Mas depois disso, em 1936, e da mesma forma, foi
novamente possível empurrar o proletariado espanhol a alinhar-se,
não em defensa de interesses de classe, mas na defesa da
"República", do "Socialismo" e do "Progresso"
contra a monarquia, o fascismo clerical e a reação. Isto mostra a
profunda desordem dos trabalhadores na Espanha, onde o proletariado
só recentemente deu provas de sua combatividade e de seu espírito
de autossacrifício." (Bilan n°28, fevereiro-março de 1936).
De fato, a política antifascista da esquerda e a
formação de "Frentes Populares" conseguiram atomizar os
trabalhadores, diluí-los dentro da população, mobilizá-los para
uma transformação democrática do capitalismo a ponto de imbuí-los
de veneno chauvinista e nacionalista. Bilan mostrou-se certo quando a
Frente Popular foi formada oficialmente em 14 de julho de 1935:
"Impressionantes manifestações de massa sinalizam a dissolução
do proletariado francês no regime capitalista. Apesar de haver
milhares e milhares de trabalhadores marchando pelas ruas de Paris,
não há mais uma classe operária lutando por seus próprios
objetivos na França, assim como existe na Alemanha. Neste sentido,
o 14 de julho marca um momento decisivo no processo de desintegração
do proletariado e na reconstrução de uma unidade sagrada da nação
capitalista. (...) Os trabalhadores carregaram pacientemente a
bandeira nacional, cantaram o hino nacional e até aplaudiram
Daladier, Cot e outros ministros capitalistas que, junto com Blum e
Cachin, juraram solenemente "dar pão aos trabalhadores,
trabalho aos jovens e paz ao mundo". Isto significa balas de
chumbo, quartéis e guerra imperialista para todos." (Bilan n°21,
julho-agosto de 1935).
As medidas econômicas da Frente Popular:
o Estado a serviço dos trabalhadores?
Mas será que a
esquerda não limitou pelo menos os horrores da livre concorrência
do capitalismo "monopolista" através de suas medidas para
reforçar o controle do Estado sobre a economia? Não protegeu,
portanto, as condições de vida e de trabalho da classe
trabalhadora? Mais uma vez, é necessário colocar as medidas
exaltadas pela esquerda dentro do quadro geral da situação do
capitalismo.
No início da década de 1930, havia uma
anarquia total na produção capitalista. A crise mundial atirou
milhões de proletários nas ruas. A crise econômica, produzida
pela decadência do sistema capitalista, manifestou-se através de
uma grande depressão na década de 1930 (o crash da bolsa de 1929,
taxas de inflação recorde, queda na produção e crescimento
industrial, aceleração dramática no desemprego). Isto empurrou a
burguesia vitoriosa inexoravelmente para a guerra imperialista pela
redivisão do mercado mundial super saturado. "Exportar ou
morrer" tornou-se o slogan de toda burguesia nacional e foi
expresso claramente pelos líderes nazistas.
Movimento em direção à guerra e ao
desenvolvimento da economia de guerra
Após a Primeira
Guerra Mundial, a Alemanha foi privada de suas poucas colônias pelo
tratado de Versalhes e ficou com dívidas e reparações de guerra
esmagadoras. Foi isolada no centro da Europa e a partir daí surgiu
o problema que determinou as políticas de todos os países europeus
durante as duas décadas seguintes. Conforme reconstruía sua economia, a
Alemanha foi confrontada com a necessidade urgente de encontrar
saídas para seus produtos e sua expansão só poderia ocorrer dentro
do quadro europeu. Os acontecimentos aceleraram-se quando Hitler
chegou ao poder em 1933. As necessidades econômicas que
impulsionaram a Alemanha para a guerra encontraram sua expressão
política na ideologia nazista: o desafio do Tratado de Versalhes, a
demanda por "espaço vital", que só poderia ser na
Europa.
Isto convenceu certas facções da burguesia
francesa de que a guerra era inevitável e que a Rússia soviética
seria um bom aliado para bloquear as aspirações pan-germânicas.
Tanto mais que, em nível internacional, a situação estava se
tornando mais clara: enquanto a Alemanha deixava as Nações Unidas, a
URSS se unia a ela. Anteriormente, esta última havia jogado a carta
alemã para se opor ao bloqueio continental, imposto pelas
democracias ocidentais. Mas então a relação da Alemanha com os EUA
se estreitou à medida que estes últimos investiram na economia
alemã, ressuscitaram-na graças ao plano Dawes e apoiaram a
reconstrução econômica de um "bastião" ocidental contra
o comunismo. Neste momento, a Rússia estalinista reorientou sua
política externa para romper esta aliança. De fato, até muito
tarde, importantes setores da burguesia dos países ocidentais
acreditavam ser possível evitar a guerra com a Alemanha, fazendo
algumas concessões e, sobretudo, dirigindo a necessária expansão
da Alemanha para o leste. Munique 1938 expressou esta contínua
incompreensão da situação e da próxima guerra.
A
viagem a Moscou feita pelo ministro francês das Relações
Exteriores, Laval, em maio de 1935, sublinhou dramaticamente este
posicionamento de peões imperialistas no tabuleiro de xadrez europeu
com a aproximação franco-russa. A assinatura por Stalin de um
tratado de cooperação, significou seu reconhecimento implícito da
política de defesa da França e encorajou o PC francês a votar a
favor dos créditos militares. Alguns meses mais tarde, em agosto de
1935, o 7° Congresso do PCUS[2] delinhou as conseqüências políticas
para a Rússia de uma possível aliança com os países ocidentais, a
fim de enfrentar o imperialismo alemão. Dimitrov nomeou o novo
inimigo que tinha que ser combatido: o fascismo. Os socialistas que
haviam sido violentamente criticados até então, tornaram-se uma
força democrática (entre outras) com a qual era necessário
aliar-se para derrotar o inimigo fascista. Os partidos estalinistas
de outros países seguiram a virada de 180° de seu irmão mais
velho, o PCUS, tornando-se assim os mais ardentes defensores dos
interesses imperialistas da chamada "pátria socialista".
Em
resumo, todos os países industriais sentiram uma poderosa
necessidade de desenvolver a economia de guerra; não apenas a
produção maciça de armamentos, mas também toda a infraestrutura
necessária para esta produção. Todas as grandes potências, tanto
"democráticas" quanto "fascistas", desenvolveram
uma política semelhante de grandes obras públicas sob o controle do
Estado e uma indústria de armamento inteiramente voltada para a
preparação de uma segunda guerra mundial. A indústria se organizou
em torno delas; impôs uma reorganização do trabalho, da quais o
"taylorismo" foi uma das progênies mais escolhidas.
A esquerda e o controle do estado
Uma
das principais características das políticas econômicas da
"esquerda" foi o fortalecimento das medidas de intervenção
do Estado para apoiar a economia em crise e o controle do Estado
sobre vários setores da economia. Justificava tais medidas como
sendo as "de uma 'economia controlada', de socialismo de Estado,
amadurecendo as condições que permitiriam aos 'socialistas' a
conquistarem 'pacificamente' gradualmente os principais postos do
Estado" (Bilan n°3, janeiro de 1934). Tais medidas
foram geralmente elogiadas por toda a socialdemocracia europeia.
Elas foram retomadas no programa econômico da Frente Popular na
França, conhecido como o plano Jouhaux. Na Espanha, o programa da
Frente Popular continha uma ampla política de créditos agrários e
um plano de grandes obras públicas para reabsorver os desempregados, bem
como uma legislação trabalhista que fixava, por exemplo, um salário
mínimo. Podemos ver seu real significado examinando um de seus
principais modelos, o "New Deal", que foi desenvolvido nos
Estados Unidos após a crise de 1929 pelos democratas sob Roosevelt.
Também analisando uma das materializações teóricas mais
desenvolvidas deste "Socialismo de Estado", o "Plan de
Travail" do socialista belga Henri De Man.
O "New
Deal", criado nos Estados Unidos em 1932, era um plano de
reconstrução econômica e de "paz social". A intervenção
do governo teve como objetivo restabelecer o equilíbrio do sistema
bancário e reativar o mercado financeiro, realizar grandes obras
públicas (a construção de barragens pela Autoridade do Vale do
Tennessee data deste período) e lançar certos programas sociais
(sistema de pensão, seguro-desemprego, etc.). O papel da nova
agência federal, a National Recovery Administration [Administração de Recuperação Nacional] (NRA), era
estabilizar preços e salários em cooperação com empregadores e
sindicatos. Ela criou a Public Works Administration [Administração de Obras Públicas] (PWA) para
administrar a política de grandes obras públicas.
O
governo Roosevelt abriu o caminho - sem saber - para que os partidos
de trabalhadores conquistassem as principais alavancas do poder
estatal? Para Bilan, o oposto aconteceu: "A intensidade
da crise econômica, juntamente com o desemprego e a miséria de
milhões de pessoas, acumulou a ameaça de graves conflitos sociais
que o capitalismo americano teve que dissipar ou sufocar por todos os
meios ao seu alcance" (Bilan n°3, janeiro de 1934). Portanto,
longe de serem medidas em benefício dos trabalhadores, as medidas de
"paz social" eram ataques diretos contra a autonomia de
classe do proletariado. "Roosevelt tinha como objetivo, não
dirigir a classe trabalhadora para a oposição de classe, mas
dissolvê-la dentro do regime capitalista, sob o controle do Estado
capitalista. Assim, os conflitos sociais não poderiam mais surgir a
partir da verdadeira luta (de classe) entre os trabalhadores e os
patrões e seriam restritos a uma oposição entre a classe
trabalhadora e o NRA, um órgão capitalista estatal. Assim, os
trabalhadores deveriam desistir de qualquer iniciativa na luta e
renunciar o seu destino ao seu inimigo" (Idem.).
Um
dos principais arquitetos destas medidas de controle estatal e o
homem que foi a inspiração por trás da maioria delas, foi Henri De
Man. Ele foi o chefe do instituto do nuúcleo do POB e foi
vice-presidente e a luz guia do partido desde 1933. Suas medidas
foram postas em prática pelas Frentes Populares, bem como pelos
regimes fascistas (Mussolini era um grande admirador seu). Para De Man, que havia feito um estudo detalhado do
desenvolvimento industrial e social nos Estados Unidos e na Alemanha,
os "velhos dogmas" tinham de ser abandonados. Para ele, a
base da luta de classes era a sensação de inferioridade social dos
trabalhadores. Assim, em vez de orientar o socialismo em torno da
satisfação das necessidades materiais de uma classe (os
trabalhadores), ele deveria ser direcionado para valores espirituais
universais, tais como justiça, respeito pela personalidade humana e
uma preocupação com o "interesse geral". Desta forma, as
inevitáveis e irreconciliáveis contradições entre a classe
trabalhadora e os capitalistas foram eliminadas. Não somente a
revolução deve ser rejeitada, mas também o "velho
reformismo", que se torna inaplicável em períodos de crise.
Não adianta exigir um pedaço maior de bolo, este que está
constantemente encolhendo. Um bolo novo e maior deve ser feito. Este
era o objetivo do que ele chamou de "revolução construtiva".
Dentro deste quadro, para o congresso de "Natal" do POB de
1933 ele desenvolveu seu "Plan de Travail", que esperava
"reformas estruturais" do capitalismo:
- a nacionalização dos bancos,
que continuariam a existir, mas que venderiam parte de suas ações a
uma instituição de crédito estatal e se submeteriam às
orientações do plano econômico;
- esta mesma
instituição de crédito compraria algumas das ações dos grandes
monopólios em certos setores industriais básicos (como o
energético), de modo que estes se tornariam empresas mistas sob a
propriedade conjunta dos capitalistas e do Estado;
- além dessas empresas "associadas", um setor capitalista
livre continuaria a existir, estimulado e apoiado pelo Estado;
- os sindicatos estariam diretamente envolvidos na coordenação desta
economia mista por meio do "controle dos trabalhadores",
uma orientação que De Man defendeu com base na experiência das
grandes fábricas nos EUA.
De que forma estas "reformas
estruturais", exaltadas por De Man, levaram à defesa da luta da
classe trabalhadora? Para Bilan, De Man queria "mostrar que a
luta dos trabalhadores deve se restringir naturalmente a objetivos
nacionais em termos de forma e conteúdo, que a socialização
significava a nacionalização progressiva da economia capitalista ou
a economia mista. Sob o pretexto da 'ação imediata',
De Man pregou a adaptação nacional dos trabalhadores dentro da 'nação única e indivisível' e ofereceu isto como o
refúgio supremo dos trabalhadores que haviam sido controlados pela
reação capitalista". Em conclusão, "As reformas
estruturais de H. De Man visam colocar a verdadeira luta dos
trabalhadores - e este é seu único objetivo - no domínio do
irreal. Elas excluem qualquer luta pela defesa dos interesses
imediatos ou históricos do proletariado em nome de uma reforma
estrutural que, em termos de sua concepção e seus meios, só pode
ajudar a burguesia a fortalecer seu Estado de classe, reduzindo a
classe trabalhadora à impotência". (Bilan n°4, fevereiro de
1934).
Mas Bilan foi além e situou a proposta do "Plano
de Trabalho" no contexto do papel que a esquerda desempenhou no
marco histórico do período. "O advento do fascismo na Alemanha
encerrou um período decisivo de lutas dos trabalhadores. (...) A
socialdemocracia, que foi um elemento essencial nestas derrotas, foi
também um elemento na reforma orgânica da vida do capitalismo (...)
Ela usou uma nova linguagem para continuar sua tarefa. Rejeitou o
internacionalismo verbal, por não ser mais necessário, e passou a
uma franca preparação ideológica dos trabalhadores para a defesa
de 'sua nação'. (...) É aí que se encontra a verdadeira
origem do plano do De Man. Este último foi uma tentativa concreta de
sancionar, por meio de uma mobilização adequada, a derrota do
internacionalismo revolucionário e a preparação ideológica para
incorporar o proletariado na luta em torno do capitalismo rumo à
guerra. É por isso que seu nacionalsocialismo tem o mesmo papel que
o nacional-socialismo dos fascistas". (Bilan n°4, fevereiro de
1934).
A análise do New Deal e do Plano de De Man ilustra
bem que estas medidas não vão de forma alguma no sentido de
fortalecer a luta do proletariado contra o capitalismo. Pelo
contrário, elas visam reduzir a classe trabalhadora à impotência e
fazê-la se submeter às necessidades da defesa nacional. Como diz
Bilan, o plano de De Man não pode de forma alguma ser distinguido do
programa de controle estatal dos regimes fascistas e nazistas ou dos
planos de cinco anos do estalinismo, que haviam sido implementados na
URSS a partir de 1928 e que no início inspiraram os democratas nos
EUA.
Estes tipos de medidas foram generalizadas porque
correspondiam às necessidades do capitalismo decadente. Neste
período, a tendência geral ao capitalismo de estado é uma das
características dominantes da vida social. "Neste período,
cada capital nacional, porque não pode expandir-se de forma
irrestrita e confrontado com severas rivalidades imperialistas, é
obrigado a organizar-se da forma mais eficiente possível, para que externamente
possa competir economica e militarmente com seus rivais e lidar
internamente com o agravamento crescente das contradições sociais.
O único poder na sociedade que é capaz de cumprir estas tarefas é
o Estado. Somente o Estado pode:
- assumir o controle da economia nacional de forma centralizada e
mitigar a concorrência interna que enfraquece a economia, a fim de
fortalecer sua capacidade de manter uma face unida contra a
concorrência no mercado mundial;
- desenvolver
a força militar necessária para a defesa de seus interesses diante
do crescente conflito internacional;
- finalmente, devido a um aparelho repressivo e burocrático cada vez
mais pesado, reforçar a coesão interna de uma sociedade ameaçada
de colapso através da crescente decomposição de sua base
econômica, (...)" (Plataforma da ICC).
Na realidade,
todos esses programas que visavam uma reorganização da produção
nacional sob o controle do Estado foram, então, inteiramente
voltados para a guerra econômica e para a preparação de outro
massacre mundial (a economia de guerra). Eles correspondem
perfeitamente à necessidade dos estados burgueses de sobreviverem
dentro do capitalismo no período decadente.
Vitória das
Frentes Populares: "revolução social" em marcha?
Mas
não seriam estas análises pessimistas varridas pelas greves maciças
de maio-junho de 1936 na França e pelas medidas sociais tomadas pelo
governo da Frente Popular, e pela "revolução espanhola"
que começou em julho de 1936? Estes acontecimentos não confirmam,
ao contrário, na prática, o acerto da abordagem das frentes
"antifascista" ou "popular"? Quando se trata
disso, não foram estas uma expressão concreta da "revolução
social" em ação? Examinemos a realidade destes
acontecimentos.
Maio-Junho de 1936 na França: os trabalhadores
se mobilizaram por trás do Estado democrático
A grande
onda de greves que se seguiu imediatamente à ascensão ao governo da
Frente Popular após sua vitória eleitoral de 5 de maio de 1936 confirmaria os limites do movimento operário, marcado como foi
por uma derrota na onda revolucionária e curvado sob o peso da
contrarrevolução.
Os "ganhos" de 1936
No dia 7
de maio, uma onda de greves eclodiu na indústria aeronáutica,
seguida pelas indústrias de engenharia e automobilística,
acompanhada de ocupações espontâneas de fábricas. Apesar de sua
combatividade, estas lutas foram um sinal de quão limitada era a
capacidade dos trabalhadores de empreender o combate em seu próprio
terreno de classe. Nos primeiros dias do movimento, a esquerda
conseguiu disfarçar como "vitória dos trabalhadores" o
descarrilamento da combatividade dos trabalhadores para o terreno do
interesse nacional. É verdade que esta foi a primeira vez que as
ocupações de fábrica ocorreram na França: foi também a primeira
vez que alguém viu os trabalhadores cantando a Marselhesa junto com
a Internacional, ou marchando atrás da bandeira vermelha junto com a
tricolor nacional. O aparelho de controle do PC e dos sindicatos
continuava a dominar a situação e conseguiu manter os trabalhadores
fechados nas fábricas ao som calmante do acordeão, enquanto seu
destino era resolvido no topo, nas negociações que iriam levar aos
acordos de Matignon. A unidade certamente existia, mas era a do
aparelho de controle da burguesia sobre a classe trabalhadora, não a
da classe trabalhadora em si. Quando alguns poucos opositores se
recusaram a entender que, uma vez assinados os acordos, era hora de
voltar ao trabalho, a Humanité lhes explicou que "é necessário
saber como parar uma greve... é até mesmo necessário saber como
concordar com um compromisso" (Maurice Thorez, discurso de junho
de 1936), e que "não devemos assustar nossos amigos
radicais".
Durante o julgamento de Riom, realizado
pelo regime de Vichy para punir os responsáveis pela "decadência
moral da França", o próprio Léon Blum explicou como as
ocupações da fábrica haviam sido parte da mobilização nacional:
"os trabalhadores estavam lá como guardiães, como supervisores
e também, em certo sentido, como co-proprietários. E do ponto
de vista especial que lhe diz respeito, o fato de observar a
comunidade de direitos e deveres em relação ao patrimônio nacional
não leva a garantir e preparar sua defesa comum e unânime? (...) é
assim que se cria para os trabalhadores, pouco a pouco, uma
propriedade conjunta na pátria; é assim que se ensina a defender a
pátria".
A esquerda conseguiu o que queria: levou a
combatividade dos trabalhadores ao terreno estéril do nacionalismo,
do interesse nacional. "A burguesia é obrigada a recorrer à
Frente Popular para canalizar uma inevitável explosão da luta de
classes em seu próprio benefício, particularmente na medida em que
a Frente Popular aparece como a emanação da classe trabalhadora e
não como a força capitalista que dissolveu o proletariado para
mobilizá-lo para a guerra" (Bilan n°32 junho-julho de
1936).
Para acabar com qualquer resistência operária, os
estalinistas usavam seus porretes contra aqueles que "se deixavam levar à
realizar ações imprudentes" (M Thorez, 8 de junho de 1936) e o
governo da Frente Popular chamou a polícia para abater os
trabalhadores em Clichy em 1937. Ao espancar ou matar as últimas
minorias recalcitrantes de trabalhadores, a burguesia conseguiu
arrastar todo o proletariado francês para a defesa da
nação.
Fundamentalmente, não havia nada no programa da
Frente Popular que preocupasse a burguesia. No dia 16 de maio,
Daladier, o presidente do Partido Radical, foi tranquilizador:
"nenhum artigo do programa da Frente Popular contém nada que
possa incomodar os legítimos interesses de qualquer cidadão,
preocupar os investidores, ou prejudicar qualquer força de trabalho
saudável da França. Não há dúvida de que nem mesmo foi
lido por muitos dos que mais apaixonadamente lutaram contra ele"
(L'Oeuvre, 16 de maio de 1936). No entanto, para inculcar sua
ideologia antifascista e permanecer totalmente credível em seu papel
de defensora da pátria e do Estado capitalista, a esquerda teve que
distribuir algumas migalhas. Os acordos de Matignon e as
pseudo-conquistas de 1936 tornaram possível apresentar a esquerda no
poder como "uma grande vitória dos trabalhadores", para
ganhar a confiança dos trabalhadores na Frente Popular e sua defesa
do Estado burguês mesmo em tempo de guerra.
Este famoso acordo Matignon, assinado em 7 de
junho de 1936 e celebrado pela CGT como "uma vitória sobre a
pobreza", e que até hoje ainda é apresentado como um modelo de
"reforma social", foi portanto a cenoura usada para vender
o programa da Frente Popular aos trabalhadores. O que exatamente ele
oferecia?
Sob a aparência de "concessões" à
classe trabalhadora, tais como aumentos salariais, a semana de 40
horas e feriados remunerados, a burguesia assegurou acima de tudo a
organização da produção sob a liderança de um estado
"imparcial", como o líder da CGT Léon Jouhaux apontou:
"(...) o início de uma nova era (...), a era das relações
diretas entre as duas grandes forças econômicas organizadas do país
(...) As decisões foram tomadas de forma totalmente independente,
sob a égide do governo, este último desempenhando o papel de
árbitro quando necessário, o que corresponde à sua função de
representante do interesse geral" (discurso de rádio de 8 de
junho de 1936). O objetivo era conseguir que os trabalhadores
aceitassem aumentos sem precedentes na velocidade das filas através
da introdução de novos métodos de organização do trabalho
destinados a aumentar em dez vezes a produtividade por hora,
especialmente na indústria de armamento. Isto significou a
generalização do taylorismo, do funcionamento da linha de produção
e a ditadura do cronômetro na fábrica.
Foi Léon Blum
pessoalmente quem tirou o véu "social" que havia escondido
as leis de 1936, em seu discurso no julgamento de Riom em 1942, que
tinha a intenção de lançar a culpa da pesada derrota infligida ao
exército francês pelos nazistas em 1940 à porta da Frente Popular
e da semana de 40 horas: "O que está por trás da produtividade
de hora em hora? (...) depende da boa coordenação e da adaptação
dos movimentos do trabalhador à sua máquina; depende também da
condição moral e física do trabalhador.
"Há toda
uma escola de pensamento na América, a escola de Taylor e os
engenheiros Bedeau, que você pode ver na inspeção da linha de
fábrica, que realizaram estudos muito minuciosos dos métodos
materiais de organização que maximizam a produtividade por hora das
máquinas, sendo este precisamente seu objetivo. Mas há também a
escola Gilbreth que estudou e pesquisou os dados sobre as condições
físicas que permitirão ao trabalhador obter esta produtividade. O
ponto essencial é limitar o cansaço do trabalhador (...) você não
acha que toda nossa legislação social foi do tipo que melhorou esta
condição moral e física do trabalhador: a jornada de trabalho mais
curta, mais lazer, feriados pagos, a sensação de ter conquistado uma
certa dignidade e igualdade, tudo isso foi pensado como elementos
para maximizar a produtividade horária que o trabalhador poderia
extrair da máquina".
Foi assim e por isso que as
medidas "sociais" do governo da Frente Popular foram
necessárias para adaptar e acalmar o proletariado aos novos métodos
de produção destinados ao rápido rearmamento da nação antes da
eclosão da guerra. Além disso, é notável que os feriados pagos, de
uma forma ou de outra, foram concedidas ao mesmo tempo na maioria dos
países desenvolvidos rumo à guerra e, portanto, impondo a sua força
de trabalho os mesmos aumentos na velocidade de produção.
Em
junho de 1936, inspirado pelos movimentos na França, uma greve dos
estivadores eclodiu na Bélgica. Depois de primeiro tentar detê-la,
os sindicatos reconheceram o movimento e o orientaram para exigências
semelhantes às da Frente Popular na França: aumento dos salários,
semana de 40 horas e uma semana de férias pagas. Em 15 de junho, o
movimento se generalizou em direção a Borinage e às regiões de
Liège e Limburg: 350.000 trabalhadores em todo o país estavam em
greve. O principal resultado do movimento foi refinar o sistema de
consulta social através da criação da conferência nacional do
trabalho, onde patrões e sindicatos acordaram o plano nacional para
otimizar a competitividade da indústria belga.
Uma vez terminadas as greves e atingido um aumento
duradouro na produtividade por hora, restava apenas ao governo da
Frente Popular retomar o que havia concedido. Os aumentos salariais
foram consumidos pela inflação em questão de meses (os preços dos
alimentos aumentaram 54% entre 1936 e 1938), a semana de 40 horas foi
posta em questão pelo próprio Blum um ano depois, e completamente
esquecida quando o governo Radical de Daladier em 1938 acelerou toda
a máquina econômica em preparação para a guerra: abolindo os
pagamentos extras para as primeiras 250 horas extras, pondo fim aos
contratos de trabalho que proibiam o trabalho à peça e sancionando
todos aqueles que recusaram as horas extras na causa da defesa
nacional. "Nas fábricas que trabalham para a defesa nacional,
sempre foram concedidas dispensas na semana legal de 40 horas.
Na maioria das outras coisas, em 1938 obtive o acordo da organização
dos trabalhadores para uma semana de 45 horas nas fábricas que
trabalham direta ou indiretamente para a defesa nacional" (Blum
no julgamento do Riom). Finalmente, com o apoio do governo Blum e o
acordo dos sindicatos, os patrões recuperaram seus feriados
remunerados. O Natal e o Ano Novo foram incorporados ao período de feriados pagos, e isto foi seguido pela abolição de todos os
feriados públicos existentes: o total somou até 80 horas extras de
trabalho - o que correspondeu exatamente às duas semanas de feriados
pagos concedidas pela Frente Popular.
Quanto ao
reconhecimento dos delegados sindicais e dos contratos de trabalho,
isso representou nada mais do que o fortalecimento do domínio dos
sindicatos sobre os trabalhadores, ampliando sua presença nas
fábricas. Para isso, Léon Jouhaux, o socialista e líder sindical,
explicou nestes termos: "a organização dos trabalhadores [isto
é, os sindicatos] querem a paz social. Em primeiro lugar para
não envergonhar o governo da Frente Popular e, em segundo lugar,
para não dificultar o rearmamento". Quando a burguesia se
prepara para a guerra, o Estado deve controlar toda a sociedade de modo a
direcionar toda sua energia para este fim sangrento. E, nas fábricas,
são os sindicatos que permitem ao Estado policiar a força de
trabalho.
Se houve vitória, foi a sinistra vitória do
capital preparando sua única "solução" para a crise: a
guerra imperialista.
A preparação para a guerra
Desde
o início da Frente Popular na França, com seu slogan "paz,
pão, liberdade", seu antifascismo e pacifismo, a defesa dos
interesses imperialistas da burguesia francesa foi misturada com
ilusões democráticas. Dentro deste quadro, a esquerda explorou
habilmente os preparativos internacionais para a guerra para
demonstrar que o "perigo fascista está em nossa fronteira",
organizando, por exemplo, toda uma campanha sobre a agressão
italiana na Etiópia. De forma ainda mais clara, a SFIO e o PC
desempenharam papéis diferentes em relação à Guerra Civil
espanhola: enquanto a SFIO se recusou a intervir na Espanha em nome
do pacifismo, o PC pediu a intervenção em nome da "luta
antifascista".
Se havia uma coisa pela qual o capital
francês podia agradecer ao governo da Frente Popular, era sua
preparação para a guerra.
Em primeiro lugar, a esquerda
pôde usar a enorme massa de trabalhadores em greve como meio de
pressão contra as forças mais retrógradas da burguesia, impondo as
medidas necessárias para salvaguardar o capital nacional diante da
crise e fazendo com que tudo parecesse uma vitória para a classe
trabalhadora;
Em segundo lugar, a Frente Popular lançou
um programa de rearmamento através da nacionalização da indústria
bélica sobre o qual Blum deveria declarar durante o julgamento do
Riom: "Propus um grande projeto fiscal... cujo objetivo era
dirigir todas as forças da nação para o rearmamento e fazer deste
intenso esforço de rearmamento uma condição para uma recuperação
industrial e econômica definitiva. Isso deixou objetivamente para
trás a economia liberal, para substituí-la por uma economia de
guerra".
E de fato, a esquerda estava ciente de que a
guerra estava chegando: foi a esquerda que impulsionou a entente
franco-russa, e que denunciou mais violentamente as tendências a
Munique da burguesia francesa. Suas "soluções" para a
crise não eram diferentes daquelas da Alemanha nazista, da
América do New Deal ou da Rússia estalinista: o desenvolvimento do setor
improdutivo da indústria de armamento. Como Bilan assinalou: "não
é por acaso que estas grandes greves eclodiram na indústria da
engenharia, a começar pelas fábricas de aeronaves (...) estes
setores estão trabalhando a todo vapor, graças à política de
rearmamento que está sendo seguida em todos os países. Este
fato é sentido pelos trabalhadores e eles foram forçados a lançar
seu movimento para reduzir o ritmo embrutecedor da linha de produção".
Finalmente e acima de tudo, a Frente Popular levou
a classe trabalhadora ao pior terreno possível para ela, o de sua
derrota esmagadora: o nacionalismo.
Graças à histeria
patriótica desenvolvida pela esquerda através do antifascismo, o
proletariado foi levado a defender uma fração da burguesia contra
outra, a democrata contra a fascista, e um estado contra outro, a
França contra a Alemanha. O PC francês declarou: "chegou o
momento de colocar em prática o armamento generalizado do povo, de
empreender as reformas fundamentais que aumentarão dez vezes o poder
militar e técnico do país. O exército do povo, o exército de
trabalhadores e camponeses, bem ensinado e bem dirigido por oficiais
fiéis à República". Em nome deste "ideal" os
"comunistas" celebraram o nome de Joana D'Arc, "a
grande libertadora da França", e o PC apelou para uma frente
francesa com o mesmo slogan utilizado pela extrema-direita apenas
alguns anos antes: "A França para os franceses"! Sob o
pretexto de defender as liberdades democráticas ameaçadas pelo
fascismo, o proletariado foi levado a aceitar os sacrifícios
necessários para a saúde do capital francês, e finalmente a
sacrificar suas vidas no massacre da Segunda Guerra Mundial.
A
Frente Popular encontrou aliados efetivos em sua tarefa de executor
entre seus críticos de esquerda: O Parti Socialiste Ouvrier et
Paysan de Maurice Pivert ("Partido Socialista dos Trabalhadores
e Camponeses", PSOP), os trotskistas e os anarquistas. Todos
desempenharam o papel de promotores entre os elementos mais
combativos da classe e estavam constantemente se fazendo passar como
"os mais radicais", embora a única coisa radical neles
fosse a mistificação que eles vendiam. O Jeunesses Socialistes de
la Seine ("Juventude Socialista do Sena"), ou Trotskistas
como Craipeau e Roux, praticaram o entrismo, e foram os primeiros a
defender e organizar a milícia antifascista; os amigos de Pivert
dentro do PSOP foram os mais virulentos na crítica à "covardia"
de Munique. Todos foram unânimes na defesa da República Espanhola
ao lado dos antifascistas e todos participariam mais tarde do banho
de sangue interimperialista como parte da Resistência. Todos
fizeram a sua parte em defesa da capital nacional, todos eles
mereceram bem da pátria!
Espanha, julho de 1936: o proletariado
enviado para o abatedouro
Graças à formação da Frente
Popular, e sua vitória nas eleições de fevereiro
de 1936, a burguesia injetou a classe trabalhadora com o veneno da
"revolução democrática" e conseguiu vincular os
trabalhadores à defesa do Estado burguês "democrático".
De fato, quando uma nova onda de greves irrompeu imediatamente após
as eleições, ela foi retida e sabotada pela esquerda e pelos
anarquistas porque "entrar greve é fazer o jogo dos
patrões e da direita". Isto encontraria uma expressão
concreta e trágica durante o Pronunciamento militar de 19 de julho
de 1936. Os trabalhadores reagiram imediatamente ao golpe de estado
entrando em greve, ocupando quartéis e desarmando os soldados,
contra as ordens do governo que exigia calma. Onde quer que os
apelos do governo fossem respeitados ("o governo comanda, a
Frente Popular obedece"), os militares assumiram o controle e uma
repressão sangrenta se seguia.
"A luta armada na frente
imperialista é o túmulo do proletariado" (Bilan
n°34)
Entretanto, a ilusão da "revolução
espanhola" foi reforçada pelo suposto desaparecimento do Estado
capitalista republicano e pela inexistência da burguesia, todos eles
escondidos atrás do pseudo-"governo dos trabalhadores" e
ainda mais outras organizações de esquerda como o "Comitê Central
das Milícias Antifascistas" ou o "Conselho Central da
Economia" que mantiveram a ilusão do duplo poder. Em nome desta
"mudança revolucionária", tão facilmente conquistada, a
burguesia exigiu e obteve dos trabalhadores a unidade nacional, com o
único objetivo de derrotar Franco. Entretanto, "A alternativa
não é entre Azaña e Franco, mas entre a burguesia e o
proletariado; qualquer um dos dois parceiros que for vencido, o
verdadeiro perdedor será o proletariado que pagará o preço de uma
vitória de Azaña ou Franco" (Bilan n°33, julho-agosto de
1936).
Rapidamente, o governo republicano da Frente
Popular, com a ajuda do CNT e do POUM, transformou a reação dos
trabalhadores ao golpe de Estado franquista em uma luta antifascista e
manobrou para substituir a batalha social, econômica e política
contra todas as forças da burguesia por um confronto militar nas
trincheiras apenas contra Franco, enquanto os trabalhadores podiam
pegar armas apenas para serem mortos na frente militar da "guerra
civil", longe de seu terreno de classe. "Poderíamos supor
que o armamento dos trabalhadores tinha uma virtude congênita do
ponto de vista político e que, uma vez armados materialmente, os
trabalhadores podiam se livrar de seus líderes traiçoeiros e dar a
sua luta uma forma superior. Nada poderia estar mais longe da
verdade. Os trabalhadores que a Frente Popular consegue incorporar à
burguesia, já que lutam sob a liderança e pela vitória de uma
fração burguesa, são assim impedidos até mesmo de evoluir para
posições de classe" (Bilan n°33, julho-agosto de 1936).
Além
disso, não havia nada de "civil" nesta guerra. Ela
rapidamente se tornou um conflito puramente interimperialista e um
prelúdio para a Segunda Guerra Mundial, conforme as democracias e a
Rússia tomaram o lado dos republicanos enquanto a Itália e a
Alemanha tomaram o lado dos falangistas. "As fronteiras de
classe, que por si só poderiam ter desmantelado os regimentos de
Franco e renovado a confiança dos camponeses aterrorizados pela
direita, foram substituídas por outras fronteiras especificamente
capitalistas. A unidade nacional foi alcançada para a matança
imperialista, região contra região, cidade contra cidade na Espanha
e, por extensão, Estado contra Estado nos dois blocos democrático
e fascista. Se a guerra mundial já começou ou não, a mobilização
do proletariado espanhol e internacional está agora pronta para a
matança mútua sob a bandeira imperialista do fascismo e do
antifascismo" (Bilan n°34, agosto-setembro de 1936).
As
ilusões de uma "revolução social"
A guerra na
Espanha ainda desenvolveu outro mito. Ao substituir a guerra entre
"democracia" e "fascismo" pela guerra de classes
do proletariado contra o capitalismo, a Frente Popular desfigurou o
próprio conteúdo da revolução: seu objetivo central não é mais
a destruição do estado burguês através da tomada do poder
político pelo proletariado, mas as supostas medidas de socialização
e gestão dos trabalhadores nas fábricas. São sobretudo os
anarquistas e certas tendências que se identificam com o conselhismo
que exaltaram este mito, chegando ao ponto de afirmar que nesta
Espanha republicana, antifascista e estalinista, a conquista de
posições socialistas foi muito mais longe do que foi possível na revolução de outubro
na Rússia.
Sem desenvolver esta questão aqui, deve-se
dizer que estas medidas, mesmo que tivessem sido mais radicais do que
foram na realidade, não teriam mudado nada da natureza
fundamentalmente contrarrevolucionária dos acontecimentos na
Espanha. Tanto para a burguesia quanto para o proletariado, o ponto
central da revolução não pode ser outra coisa senão a destruição
ou a preservação do Estado capitalista.
O capitalismo
não só pode tolerar perfeitamente, temporariamente, medidas de
autogestão ou a chamada socialização da terra (a criação de
cooperativas), enquanto espera a oportunidade de restaurar a ordem na
hora certa, mas pode até mesmo encorajá-las como meio de
mistificação, canalizando a energia do proletariado em conquistas
ilusórias e longe do objetivo central que está em jogo na
revolução: a destruição do poder capitalista e seu estado.
A exaltação das chamadas medidas sociais como
ponto alto da revolução nada mais é do que radicalismo verbal, o
que afasta o proletariado de sua luta revolucionária contra o Estado
e camufla sua mobilização como carne de canhão a serviço da
burguesia. Tendo abandonado seu terreno de classe, o proletariado não
só seria alistado nas milícias anarquistas e POUMistas
antifascistas e enviado para o massacre no fronte, como também seria submetido a uma exploração cada vez mais brutal e a cada
vez mais sacrifícios em nome da produção bélica e da economia
bélica antifascista: reduções salariais, inflação, racionamento,
militarização do trabalho e prolongamento da jornada de trabalho. E
quando o proletariado se levantou em desespero, em Barcelona em maio
de 1937, a Frente Popular com o Generalitat de Barcelona, e com a
participação ativa dos anarquistas, reprimiu abertamente a classe
trabalhadora da cidade, enquanto os franquistas interromperam as
hostilidades até que a esquerda tivesse esmagado a revolta dos
trabalhadores.
Dos socialdemocratas aos esquerdistas, e
mesmo incluindo certas frações da direita, todos concordam que a
ascensão da esquerda ao governo em 1936 na França e na Espanha (mas
também, sem dúvida de maneira menos espetacular, em outros países como Suécia
e Bélgica) foi uma grande vitória para a classe trabalhadora e um
sinal de sua militância e força durante os anos 30. Contra estas
manipulações ideológicas, os revolucionários de hoje, como seus
antecessores de Bilan, devem afirmar alto e claro que as Frentes
Populares e suas chamadas "revoluções sociais" não foram
nada além de uma mistificação. A chegada da esquerda ao poder
neste período, ao contrário, expressou a profundidade da derrota do
proletariado mundial e tornou possível o alistamento da classe
trabalhadora na França e na Espanha na guerra imperialista que a
burguesia inteira preparava, alistando-os en masse sob as bandeiras da ideologia
antifascista.
"E eu pensava, acima de tudo, que
era uma grande conquista e um grande serviço aquele que eu havia prestado:
ter conduzido estas massas e esta elite da classe trabalhadora de volta
aos seus sentimentos de amor e dever para com a pátria"
(declaração de Blum no julgamento do Riom).
Para a
classe operária, 1936 marca um dos períodos mais sombrios da
contrarrevolução, quando as piores derrotas da classe operária lhe
foram apresentadas como vitórias; quando a burguesia podia, quase
sem oposição, impor ao proletariado ainda cambaleante da derrota da
onda revolucionária iniciada em 1917, sua própria "solução"
para a crise: a guerra.
Jos
[1] Ver B Kermoal : “Colère ouvrière à la veille
du Front populaire”, Le Monde Diplomatique June 2006.
[2] Communist Party of the Soviet Union [Partido Comunista da União Soviética].