terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

GUERRA DE CLASSES EM OAXACA [2006-2016]

Apresentação

Como parte de nosso objetivo geral enquanto grupo [Editora Amanajé], recebemos a tradução realizada por Raffael Azevedo, revisamos e compartilhamos o seguinte compilado de textos realizados por Materiales X La Emancipación acerca da luta de nossa classe na região de Oaxaca. Dessa maneira, esperamos difundir nossas experiências em outras regiões do mundo, para que possamos compreender melhor o que se passa na expressão da luta de classes no território brasileiro.

Se bem que o contexto seja diferente em certa medida, encontramos os mesmos atores: proletários tentando realizar uma ruptura radical com a sociedade existente, o que em Oaxaca se expressou de maneira mais consequente, enquanto do outro lado encontramos o aparato repressivo do Estado pronto a acabar com nossa luta pela força e a social-democracia tentando suprimi-la desmoralizando-nos.



Guerra de Classes em Oaxaca [2006] - Proletarios Internacionalistas


Introdução

Abaixo publicamos um texto sobre as lutas ocorridas no estado de Oaxaca, México, a partir de maio de 2006[1]. Atualmente, todas as forças social-democratas têm aproveitado estes eventos para realizar uma campanha de apoio a tudo que, de dentro do movimento, visa dissolvê-lo. Por outro lado, a declaração de posição, assinada pelos Proletários Internacionalistas, expõe as rupturas de classe propostas pelo movimento, destaca os pontos fortes da luta que se afirmou ao romper com as propostas dos sindicatos, com os becos sem saída dos tribunais e das negociações que só podem levar a engolir a raiva e a aceitar os sacrifícios. Esta luta afirmou-se desde o início atacando o Estado e suas instituições: delegacias, tribunais, administrações, televisões, rádios, sedes governamentais... 

Enquanto o movimento resistia firmemente aos ataques do exército e paralisava com eficácia a economia do estado de Oaxaca, a Assembleia, que logo será oficializada como APPO (Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca), fixou como sua perspectiva a elaboração de uma nova “unidade nacional”, e pressionou os proletários a abandonar as barricadas e suas reivindicações salariais em nome da elaboração de uma “nova democracia e governabilidade” em Oaxaca, de uma “nova economia social e solidária”, de uma “nova educação”, da “harmonia, justiça e equidade social”, de soluções para preservar o “patrimônio histórico, cultural e natural de Oaxaca” (ou seja, a indústria de turismo) e desenvolver os “meios de comunicação a serviço dos povos” (ou seja, voltar a impor o critério de mercado na difusão da informação). Reerguer o Estado, esse foi o objetivo essencial dessa Assembleia.

A Assembleia garantiu assim o bom funcionamento da cidade: os mercados foram abastecidos, o transporte público voltou a circular, restaurantes e cafés abriram ... foram criadas comissões de saúde, higiene e segurança! Criminosos e ladrões foram entregues à Assembleia e ela decidia as sentenças! 

Quando um membro dos esquadrões da morte, atirador furtivo, paramilitar é levado perante a Assembleia, ela decide entregá-lo sistematicamente à justiça federal! Ou seja, entregue às mesmas pessoas que comandaram as expedições destas unidades paramilitares, numa situação em que a ordem social já não podia ser mantida pelas instituições estatais habituais. A APPO orgulha-se por ter criado a sua própria força policial: a Polícia de Professores de Oaxaca (POMO).

Estes são os elementos que demonstram o papel desta Assembleia: retomar o controle da vida pública, despojar o movimento das suas iniciativas, restabelecer o respeito pela propriedade privada e a submissão à justiça burguesa; ou seja, a mesma justiça que promove esquadrões da morte para intimidar e aterrorizar os proletários que ousam revoltar-se contra a ordem e o Estado.

Esses elementos mostram o abismo (de classe) existente entre o primeiro impulso de luta: por um lado, o ataque à mercadoria, à propriedade privada e solidariedade contra a repressão, e do outro, o movimento de pacificação social organizado pela APPO. A APPO não é contra a propriedade privada, a expropriação dos meios de subsistência e a exploração da força de trabalho. A APPO, ao contrário, declara-se a favor de uma economia e democracia nas quais os aspectos mais cruéis teriam sido apagados para que, em última instância, todos voltem a trabalhar para o capital!

É claro que um movimento da magnitude daquele que se desenvolveu na região não pode sobreviver sem se estender além das demandas particulares dos professores, e além das fronteiras do estado de Oaxaca, do México... mais e mais extenso. Esta extensão necessária do movimento foi distorcida pela Assembleia ao limitar suas reivindicações à renúncia do governador Ulises Ruíz Ortiz e ao reconhecimento das novas instâncias elaboradas por ela, que depois foram destinadas a suplantar as antigas instâncias na organização do estado em Oaxaca. A APPO quer provar sua legitimidade na substituição do ex-governador!

Com base em marchas, que desgastam inutilmente a combatividade dos proletários que confrontam o Estado, de manifestações pacíficas que embotam os reflexos de classe e tornam os proletários vulneráveis, com base em discussões intermináveis para reformar o Estado, com base em fóruns sociais, reduzindo a oposição ao Estado à simples exigência de demissão de um dos seus chefes, prepara-se o terreno para as campanhas eleitorais... A APPO, juntamente com as forças militares, tornou-se a agente principal da contrarrevolução no movimento.

Internacionalmente, em nome de "Viva la comuna de Oaxaca", o que todos os social-democratas celebraram foi o encerramento do movimento aos problemas de administração da cidade de Oaxaca; foi a tomada em mãos, pela APPO, do que o movimento tinha inicialmente enfraquecido: as instituições burguesas que garantem a economia capitalista. Em vez de mostrar solidariedade com os insurgentes de Oaxaca, de reconhecer na luta dos proletários em Oaxaca a luta dos proletários de todo o mundo contra a mesma miséria, a mesma guerra que a burguesia constantemente nos impõe, o que predominou nas campanhas de apoio "aos povos de Oaxaca" foi o apoio à APPO, a tudo que tenta transformar o que esse movimento implantou contra o estado em movimento de protesto civil e cívico, de reforma do Estado.

Três semanas antes das eleições previstas para o início de julho de 2007, os professores, que não abandonaram a luta, decidiram sabotar a propaganda eleitoral, destruindo o material que chegou de caminhão para organizar as eleições. Tal como na Argélia, em 2001, onde os proletários insurgentes atearam fogo às urnas e aos postos de votação, novamente a mesma resposta de classe é estruturada no que diz respeito às tentativas de recuperar nossas lutas.

Ao contrário das campanhas que apoiam tudo que tenta liquidar o movimento nos caminhos da reforma do Estado, o texto que reproduzimos faz parte das forças da luta e tenta desvendar quais são as armadilhas que o movimento caiu para colocá-lo no caminho certo da reforma do Estado, controlada pela APPO.


Grupo Comunista Internacionalista



Guerra de Classes em Oaxaca

De maio a dezembro de 2006, o movimento social de luta generalizada na região de Oaxaca restabeleceu diferentes formas clássicas de luta do proletariado: greve ilimitada, ocupação e/ou bloqueio (sit-in), reapropriação, organização autônoma e centralizada, barricadas. 

Os proletários atacaram com força e determinação tudo que representa o Estado:

 - Eles destruíram, queimaram ou ocuparam delegacias de polícia, administrações, estações de televisão, estações de rádio, hotéis... 

- Eles sabotaram a economia capitalista, levando os turistas a fugirem e impedindo a livre circulação de mercadorias. 

- Eles apropriaram-se dos meios de expressão e comunicação - rádios, jornais, paredes da cidade, ônibus - para fazer propaganda proletária, organizar e estender o movimento. 

- Eles atacaram cães da polícia e expulsaram o poder regional. Contra colunas de policiais superequipados e treinados, apesar do cansaço produzido por meses de luta e vigília, apesar da habitual propaganda derrotista dos esquerdistas, apesar do risco de serem assassinados a qualquer momento, os proletários lançaram-se espontaneamente em ataque às forças repressivas e muitas vezes fizeram-nas retroceder ou as colocaram em sérias dificuldades. Nos dias 14 de junho e 2 de novembro, os repressores sofrem grandes derrotas, o que abala seriamente o mito da invencibilidade do Estado! 

- Eles retomaram vários elementos da guerra de classes insurrecional: desde a simples pedrada até os lança-bazucas [2]. Assim, se generalizou a produção em massa de coquetéis molotov, a recuperação de escudos da polícia, a formação de barricadas para controlar idas e vindas, e prevenir a infiltração de cães do estado, bem como proteger os bairros da polícia e dos esquadrões da morte. As barricadas, regularmente reforçadas, eram alimentadas permanentemente através das chamadas nos rádios ocupados; muitos proletários montam campos e promovem, na organização da defesa do proletariado, toda uma vida coletiva.

- A ajuda mútua, a solidariedade na luta tem sido muito importante: a distribuição de meios de proteção contra gases, a ajuda para esconder os proletários mais expostos ou perseguidos pela polícia, a forte coesão quando a polícia é atacada ou quando as barricadas são defendidas... Notamos que nesta região do mundo ainda existe uma certa comunidade de luta, e a chama dos laços e reflexos humanos se acende, enquanto que em outros lugares ela está em um estado de destruição avançada e exigiria muito para se reconstituir.


Hoje é vital entender como a burguesia conseguiu se opor a tal movimento, como o Estado conseguiu, com sucesso, vencer uma luta essencialmente proletária por meio da ação de todas as suas forças contrarrevolucionárias vivas, as forças repressivas, os sindicatos, os esquerdistas, a propaganda na mídia...

Em 22 de maio, os proletários do setor de educação se mobilizaram a partir de reivindicações salariais e em torno das condições sociais do setor. A greve foi acompanhada pela ocupação da praça central de Oaxaca, onde milhares de professores da cidade e de outros povoados da região convergiram. Este movimento radicalizou-se rapidamente até concentrar e mobilizar milhares e milhares de proletários. Aparecem ocupações de estradas e da reitoria, "sit-ins" no centro histórico e turístico da cidade, bem como as primeiras barricadas...

A burguesia local tenta destruir o movimento com a repressão militar, mas o proletariado não se impressiona; pelo contrário, esta tentativa do Estado é um fracasso. Na madrugada do dia 14 de junho, a polícia ataca o acampamento onde se encontram 20.000 grevistas, e centenas de proletários espontaneamente mostram solidariedade, gerando assim um primeiro revés para as forças do Estado.

Esta inversão da relação de forças não ocorre por acaso. As tradições ancestrais de luta e resistência são importantes nesta região do mundo, seja por sua relação com a proximidade geográfica e "cultural" de movimentos e organizações proletárias (Chiapas [3] e Guerrero), particularmente ativas por mais de dez anos ou pelas recentes greves na indústria metalúrgica em Lázaro Cárdenas, sem esquecer das lutas sociais em Atenco.[4]

Depois dessa repressão, a mobilização acelera. Em 15 de junho, os proletários realocam-se para o centro da cidade, desta vez em maior número e com mais determinação; então, no dia seguinte, eles se mobilizam e bloqueiam as estradas novamente. A relação de força permite a libertação de nove detidos. 

Em 16 de junho, mais de 300.000 pessoas fazem uma marcha de dez quilômetros, exigindo a renúncia do governador Ruiz [5], marcha sem fim sob o sol de Satanás. Estas manifestações em massa, comuns em todas as latitudes, caminhadas pacíficas em um ambiente onde os proletários têm a ilusão de representar uma força importante pelo seu número, desenvolveram-se ao longo do movimento em paralelo e em contradição com o desenvolvimento dos confrontos de classe, uma vez que o que determina uma relação de forças é a extensão de atos radicais - ataques à propriedade privada, bloqueios econômicos..., de mercadorias, portos e aeroportos - e a constituição do proletariado como força autônoma e subversiva.

Nos dias 17 e 18 de junho, uma convergência de numerosos movimentos indígenas, sindicais e civis… cria a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), chefiada pela seção 22 (isto é, do Estado de Oaxaca), que se distancia um pouco do sindicato federal da educação (SNTE) sob controle do poder. Todos aqueles movimentos dissolveram-se em uma única assembleia "soberana", que aparentemente acontece sempre na cidade, o que evidentemente representa uma desvantagem maior para os proletários que vivem mais longe, já que a região é particularmente montanhosa. Pode-se presumir que é um dos meios de entregar mais poder de decisão e ação às mãos dos sindicalistas e outros partidos social-democratas, quase exclusivamente estabelecidos na cidade.

Nos dias seguintes os bloqueios se intensificam. 

Com uma aparente diminuição durante o período das eleições presidenciais de 2 julho, nas semanas seguintes, os proletários ocupam os ayuntamientos, edifícios administrativos, hotéis turísticos, reapropriam veículos do Estado e perturbam seriamente a economia capitalista, impedindo o seu bom funcionamento e comprometendo o turismo, hoje particularmente importante nesta região. 

No primeiro dia de agosto, duas mil mulheres organizam um “cacerolazo” [6], e ocupam as estações de televisão regionais locais, iniciando uma dinâmica de requisição dos meios de expressão. No dia 22, após a expulsão da televisão pelos paramilitares, os proletários assumem as estações de rádio e, em certos momentos, os jornais, o que lhes permite, em primeiro lugar, contornar a desinformação e divulgar sua propaganda [7] e, acima de tudo, ter uma ferramenta extremamente eficiente para coordenar suas ações de insubordinação. Nos dias seguintes, a repressão latente que tinha se tornado efetiva duas ou três semanas antes, com comandos, infiltrações e tiroteio às cegas, se amplifica e se concentra particularmente contra as estações de rádios ocupadas. O Estado não pode tolerar que o proletariado assuma o controle dos meios de propaganda para denunciar suas mentiras, organizar e ampliar seu movimento. 

Ao mesmo tempo, como resultado de uma "caravana da morte", como foi comumente chamada, milhares de barricadas são erguidas espontaneamente em muitas partes da cidade e nos arredores. Por outro lado, durante todo esse tempo a lavagem cerebral que a burguesia tenta fazer - e que os meios de comunicação de massa de todo o mundo se apressam em reproduzir - é acentuada, lamentando as perdas de turismo e a perda dos lucros. É claro que esta lavagem cerebral é um veículo para todas essas merdas sociológicas do capital. Por exemplo, diz-se que os insurgentes são indígenas ou marginais, lumpens preguiçosos que não valem nada. Assim escreve um desses jornalistas milico: “As ruas cheiram a suor indígena e pichações anarco-punk”. 

O Estado então empreende o esmagamento definitivo da ponta de lança do movimento, os proletários da educação: cede a todas as suas reivindicações, entregando-os assim às pressões dos sindicalistas. Assim, em 27 de outubro, estes últimos obtêm o fim da greve: dividir para reinar, e nesse caso para enfraquecer mais eficazmente a luta [8]. 

No final de outubro, muitos proletários defendem e conseguem manter alguns barricadas. Em 2 de novembro, as forças repressivas do Estado atacam o último bastião do movimento, a universidade, e a última estação de rádio ocupada, a Rádio Universidad, e sofrem um sério revés [9].

Durante o mês de novembro, é organizado o que deveria constituir as bases de um conselho dos movimentos componentes da APPO, um congresso que deveria elaborar uma espécie de programa de governo popular e de reformas, com plano e tudo mais.  Obviamente, sindicalistas e políticos já assumiram o comando e estão posicionados para constituir a essência deste conselho permanente e conseguem ser eleitos. No início, a APPO, como todas as organizações esquerdistas, encontra-se nas costas do movimento, apoiando-se em seus pontos fracos - pacifismo, ingenuidade, eleitoralismo... - e amplificando-os. Com a legitimidade que lhe é dada pela fraude democrática, a APPO assume, desde então, o papel de manter a ordem dentro do movimento, o que rapidamente se torna claro para a maioria dos proletários combativos! 

Em 25 de novembro, os proletários incendiam alguns edifícios estatais, e estes esquerdistas tentam detê-los, tratando-os como provocadores, policiais disfarçados e espalhando seus venenos: imobilidade e pacifismo. Mas ninguém entra nesse jogo de merda de se dissociar da violência de classe, e os líderes da APPO são expulsos aos gritos de: "Quem decide é o povo!". Nesse dia, o rádio não cumpre seu papel federativo e centralizador - certamente já neutralizado pelas forças contrarrevolucionárias da APPO, sob pretexto da pressão e para evitar o banho de sangue -. Os proletários não conseguem retomar os pontos estratégicos da cidade.

Claro, as forças do Estado, em sua dinâmica de não permitir qualquer tentativa de organização autônoma, não são nada pacíficas: Polícia Federal Preventiva, “caravana da morte”, milícias estatais... Por volta de 25 de janeiro, um grupo de cem pessoas armadas com paus, pedras, garrafas e pistolas tentou interromper uma reunião do “governo popular municipal” em San Antonino Castillo Velasco, sem sucesso. Mas elas voltam no dia seguinte. O Estado envia comandos para Oaxaca para perseguir os proletários e pressionar a população local, o que se traduz em muitos mortos e feridos por balas. Depois dessa perseguição, desenvolve-se abertamente a preparação à repressão massiva. O Estado, depois de ter conseguido enfraquecer o movimento com a destruição das barricadas, planeja uma repressão seletiva – com o estabelecimento de uma lista negra - dos proletários mais ativos, prendendo-os em suas casas ou nos locais de exploração. Da mesma forma, sob o pretexto de combater as drogas, os controles nas estradas do Estado de Oaxaca são reforçados, para assediar proletários que participam do movimento. A lei do capital, do lucro, pode novamente ser totalmente imposta. Após as prisões, as famílias devem pagar fortunas e gastar muita energia para arrancar os seus entes queridos das prisões. Mais tarde, alguns líderes da APPO, como Flavio Sosa, também são presos e encarcerados. Que tipo de ingratidão da burguesia contra sua ala de esquerda, que fez todo o possível para evitar o estouro e propagação da insurreição! Mas tudo está em ordem, porque hoje a APPO decide participar nas próximas eleições em agosto ao congresso local e às prefeituras. URO saúda sua sabedoria em finalmente entrar no jogo institucional, em suma democrático, o mais difundido no mundo para enganar o proletariado, fazendo-o acreditar que o Estado pode trazer melhorias reais para sua vida.

Como pontos fracos mais gerais do movimento podemos dizer:

1- Apesar de uma clara dinâmica de reapropriação dos meios necessários à luta contra a legalidade burguesa, o proletariado não atacou clara e extensivamente a propriedade privada e a riqueza que a burguesia se apropria de forma permanente, em hipermercados, palácios burgueses e fazendo recuperações dentro das administrações, das ações...

2- É preciso discutir sobre uma certa apologia às barricadas, sobre a ilusão de sua força, porque elas representam apenas uma defesa limitada. Limitamos a infiltração da polícia, e no exterior? Concentramos todas as forças no perímetro interno e estamos à mercê das forças do Estado, que no exterior têm um longo campo para se organizarem, retirarem-se com calma e sitiarem melhor a cidade. Daí a necessidade de mobilizar e estruturar a defesa a partir do exterior, por exemplo com bloqueios de estradas, antes que o Estado possa posicionar seus tanques - como fez perto de Oaxaca - em pontos estratégicos.

3- Outra crítica importante aos rumos desse movimento é o seu enclausuramento local; o que emerge de vários escritos e comunicações é a vontade de construir o "socialismo" em uma única cidade: a "comuna livre" de Oaxaca. Isto ilustra o antagonismo entre aqueles que querem se integrar no sistema capitalista, tomando as rédeas do poder local e ficar por aí, e quem atua em total enfrentamento com qualquer forma de Estado. Para estes últimos, é claro que a luta não pode ser limitada por nenhuma fronteira, mas tem que se expandir em um confronto global. Além de uma tentativa de generalizar o movimento em direção à Cidade do México, por meio de uma marcha iniciada em 21 de setembro, as tentativas de expansão geográfica parecem ter se reduzido a fazer pedidos de apoio, fazendo uma distinção entre aqueles que lutam no local em confrontação violenta e outros, para os quais a solidariedade se limita às ações simbólicas de protestos em embaixadas, petições ou lamentações sobre as vítimas de Estado. Considerando que o proletariado não tenha nenhum interesse específico dentro de um país ou outro, a causa da miséria é em toda parte a ditadura burguesa contra a qual se deve organizar mundialmente. A solidariedade internacional vem de nosso reconhecimento de inimigos comuns e de assumirmos os mesmos meios de luta – piquetes e greves selvagens; bloqueios de estradas, ocupação, motim, reapropriações... - independentemente dos particularismos locais ou sociológicos. Lutas importantes acontecem em outras províncias do México, mas também na Argélia, Argentina, Iraque, China, Bangladesh, Bolívia, Peru, Líbano, Palestina, Equador, França, Grécia, Chile, Guiné-Conacri... Lutas isoladas que muitas vezes são ignoradas quando podiam ser intensificadas, trocando experiências, formas de organização e críticas de todos os tipos recuperação...

4- Portanto, é claro que o movimento, apesar das minorias revolucionárias que estão em uma dinâmica ofensiva, não foi enfraquecido apenas pela repressão e assédio da polícia, mas também pelas divisões reformistas e ilusões exacerbadas pelos sindicatos e outros esquerdistas. O papel de todas essas forças dissimuladas do Estado é sempre o de conduzir o movimento para objetivos razoáveis e reformistas. Eles conseguiram levar a parte sólida do movimento - um movimento que parte das demandas sociais – às demandas de mudança dos políticos do regime. A remoção de URO foi um desvio feito para obter facilmente a aprovação geral, o que impedia de pensar em outras formas de ação, além de suas marchas, e oferecer ao capital uma porta de saída para a crise.

É importante sublinhar o fato de que em tempos de fortificação e ofensiva do proletariado, desenvolve-se sistematicamente em paralelo uma força que se nutre da combatividade do “movimento” até impor uma direção reformista, pacifista e negociadora:

- Ao mesmo tempo em que se busca a perspectiva revolucionária e a insurreição proletária, cujo objetivo é impor a ditadura das necessidades humanas, essas forças reformistas falam do desenvolvimento de entidades de autogestão – caracóis em Chiapas, empresas autogeridas ou MTD na Argentina, movimentos de cidadãos e altermundialistas na Europa e América do Norte ... -, que com seu crescimento poderiam com o tempo assumir o controle da economia capitalista, uma espécie de contrapoder que colocaria a burguesia diante do fato ou a levaria a renunciar ao poder e construir uma economia mais humana - outro mundo é possível! Quantas ilusões criminosas! A burguesia nunca deixará o poder por si só. Sua função é determinada pela necessidade de capital de sempre aumentar o lucro. Para alcançar seu fim, ela só pode oferecer ao proletariado a exploração, a miséria, a guerra e os estilhaços.

- Ao mesmo tempo que o proletariado pega em armas e forma barricadas contra a repressão, que resultou em uma dúzia de mortes e inúmeros feridos e presos, a principal liderança da APPO permanece dentro do slogan suicida de resistência pacífica, o que equivale a desarmar o proletariado arrastando-o para o fracasso inevitável. Como sempre e ao mesmo tempo, o Estado prepara abertamente a repressão.

- Quando a auto-organização proletária é estruturada dentro da luta, a APPO fala de delegações, representatividade, "força de razão". Seu credo é o mesmo de sempre: mais democracia, uma melhor democracia através de assembleias soberanas, sobretudo demonstrativas dada a sua real incapacidade de representar um contrapoder, que permanece no nível da ilusão. Sua luta é sobretudo nesse terreno, monopolizando assim progressivamente os principais meios de comunicação - como rádios, jornais, transportes… -, e neutralizando-os.

- Embora o descontentamento geral do proletariado seja muito forte e embora em um passado recente tenham ocorrido duras lutas, a prática democrática da APPO com seus membros sindicais e políticos não vai na direção de uma generalização e crescimento geográfico, fazendo todo o possível para integrar outros setores importantes, como hotéis, o PEMEX, petróleo, eletricidade... Pelo contrário, no momento mais forte da luta, insistem em uma prática desmobilizadora, com assembleias fechadas e discussões sem fim, encerradas na cidade. Nenhum sindicato - SME, UNT ou CNTE -, com as suas amplas estruturas, tanto a nível regional, nacional ou setorial, convocou greves, o que nos permite entender por qual razão a marcha que começou no final de setembro morreu devido à falta de energia combativa.

Com o passar do tempo, a falta de iniciativas suficientemente fortes para neutralizar o contrarrevolução e opor-se à organização da repressão (como ocupações de portos, aeroportos, bloqueios permanentes de estradas para impedir a chegada de tropas, destruição ou ocupação da rádio cidadã...), e a falta de crescimento da luta, sofrendo as pressões do Estado – tanto as militares como a chantagem econômica para sobreviver... -, o movimento social só poderia chegar a um ponto baixo que o Estado utilizará para tentar liquidá-lo.

Viva milhares de Oaxacas em todas as partes do mundo!
Rompamos com a paz social!
Solidarizemo-nos com nossos irmãos e irmãs proletários em todo o
mundo!
Façamos o mesmo onde estivermos!
Vida longa à revolução!

Proletarios internacionalistas





Guerra de Classes em Oaxaca [2016]

Introdução e nota explicativa

Apresentamos um posicionamento e um folheto com notas sobre os eventos que agravaram a situação após os acontecimentos em Nochixtlan-Oaxaca, durante o mês de junho de 2016. A área do sudeste do Pacífico é um barril de pólvora há décadas devido ao alto nível de agitação e confronto de classes que ocorre. Por conseguinte, o conjunto de textos que apresentamos, não deve ser considerado conclusivo; mas sim um balanço inicial e sujeito ao desenvolvimento dos eventos [desde então, a situação tem dado voltas e reviravoltas, recuos e contra-ataques].

Na região de Oaxaca, apesar tudo o que o esmagamento do movimento em 2006 implicou, os proletários de várias regiões que ali residem deram continuidade à luta contra o Capital, que não se limitou à mera resistência, mas articulou a organização de tarefas e, por sua vez, promoveu o desenvolvimento da consciência que delimita expansivamente a necessidade de autonomia e ruptura fora do aparato da democracia. Desde a luta feroz contra a desapropriação e saques que realizam os projetos progressistas e desenvolvimentistas do capitalismo (mineração, energia eólica, hidroelétrica, hotel), passando pela sabotagem de partidos políticos e eleições (como em 2015), eles são o exemplo esmagador de como a lâmina é incisiva sobre a paz social naquela região. 

Estamos, portanto, diante de um proletariado indomável e solidário que se identifica na luta, mas que infelizmente não aprofundou a necessidade de se equipar com uma perspectiva revolucionária mais poderosa que transcenda a esfera local.

Diante do oportunismo dos repugnantes partidos esquerdistas oficiais e stalinistas que têm influência na região, e em face do crescente ataque repressivo policial-militar que o Estado comanda; é necessário desenvolver uma crítica radical que ajude a dar mais força a todos os proletários que na prática enfrentam o Estado-Capital; isto com o intuito de abrir uma brecha diante de toda podridão reformista e civilista que busca a todo custo fazer com que as coisas permaneçam iguais (ou piores do que antes). 


Materiales - novembro de 2017

Luta de Classes em Oaxaca 2016 [10]

Atualmente, sem dúvidas, estamos testemunhando a intensificação da luta de classes em Oaxaca, México.

O conflito atual traz à mente aquele ano de 2006, em que nossa classe entrou em cena numa grande insurreição que marcou um antes e um depois. Em 2012, nesta região conhecida como México, foi acordado pelo conjunto de TODOS os partidos políticos uma série de reformas, que se destinam claramente a satisfazer os interesses da burguesia local e internacional, bem como dos organismos financeiros mundiais dos quais depende toda a economia global. O objetivo dessas reformas, obviamente, não é outro senão acumular mais riqueza ao custo da desapropriação e empobrecimento dos explorados de sempre.

Uma dessas reformas é a que trata da questão da educação, que para além de seu discurso hipócrita em defesa da "melhoria educacional" e todas essas histórias, na realidade busca implementar cortes salariais para trabalhadores do setor de ensino, além de colocar em risco a preservação dos empregos por estarem sujeitos a testes absurdos de qualificação. Em resposta a esta reforma, várias frações do proletariado da educação opuseram-se a tal reajuste, e desde então empreenderam incessantemente uma série de mobilizações.

A combatividade desenvolvida na luta contra essa imposição tem gerado entusiasmo e cada vez mais explorados aderem aos protestos e mobilizações; estes transcenderam e se espalharam para além da área que compreende o Pacífico Sul, ocorrendo também no golfo, no centro e até no norte do país. Dentro desta generalização de luta destaca-se um fato bastante palpável: o eco de muitos proletários que começaram a ver a necessidade de unificar forças.

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Por sua vez, o nível de conflito em Oaxaca aumentou significativamente, e no presente ano de 2016, no contexto do aniversário da insurreição ocorrida 10 anos atrás, Oaxaca explode novamente.

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As ações de nossa classe causaram um curto-circuito no mundo da mercantilização e do lucro. Bloqueios de estrada, piquetes, expropriações e sabotagem das infraestruturas comerciais e estatais, fazem parte da crítica-prática que a nossa classe subjugada assume, reafirmando assim a superioridade humana e da vida diante do domínio da ditadura mercantil generalizada.

Impedir a livre circulação do fluxo mercantil também leva à subversão da normalidade de submissão em que estamos presos pelas diretrizes da miséria cidadã.

Ao mesmo tempo que os lucros da burguesia são afetados; a passividade e a mansidão impostas à vida cotidiana são esmagadas por uma emergente comunidade de luta que se manifesta como um ser coletivo lutando contra um inimigo determinado. São momentos em que todos os mitos que eternizam a moral burguesa são virados de ponta-cabeça; porque o agrupamento dos explorados quebra o individualismo, a traição e o ensimesmamento. Todas essas ações de agitação em Oaxaca tornaram isso evidente.

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Infelizmente, apesar da força e combatividade, a crítica gerada pelo proletariado no calor do conflito desde o início foi muito limitada. Não alcançou o entendimento de que a magnitude do problema não recai sobre a chamada “reforma educacional”, que embora vise diretamente agravar as condições de miséria generalizada, essa reforma não é a raiz do problema. A perspectiva de destruição do Capital ainda não se tornou latente e, em vez disso, prevalece a estagnação nas dinâmicas localistas, ativistas e imediatistas.

Assim, prevalece o domínio dos sindicatos como mediadores do conflito, e com eles, a falsa ilusão de que tudo se resolverá através do diálogo com os algozes.

É claro que as demandas da CNTE foram superadas e que aqueles que estão participando da atual onda de protestos violentos não são apenas professores, mas o proletariado em geral. É a classe explorada como um todo que se uniu para lutar contra a intensificação da miséria, contra a depredação e imposição da brutalidade do Capital que atinge igualmente todos os explorados.

No entanto, assim como há dez anos, o movimento ultrapassou os primeiros slogans de professores desempregados e desenvolveu uma luta mais generalizada e ameaçadora contra todos os poderes econômicos e políticos constituídos; como naquela ocasião quase idêntica de uma década atrás, hoje o movimento é ameaçado pelos mesmos negociadores e conciliadores de sempre, que, face à crescente raiva e impulso de lutar, não deixam passar todas as oportunidades de negociação; de negociar o sangue de camaradas caídos em troca de migalhas.

Se hoje os trabalhadores que se sindicalizam não conseguem quebrar os espartilhos que impõem suas próprias estruturas sobre eles, mais uma vez veremos o distanciamento dos proletários que se identificaram em sua luta, que a tornaram sua e que percebem a necessidade de lhe dar um conteúdo mais radical.

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Por sua vez, o chorume esquerdista e civilóide formado por partidos eleitorais, frentes e sindicatos, de acordo com seu eterno papel covarde e confuso, não hesitaram em promulgar sua verborragia contra tudo que no interior do movimento envolva transbordar e romper o enquadramento.

O dedo cidadanista, sob o disfarce de seu conspiracionismo infame e medíocre, mais uma vez, condenou o surgimento das ações disruptivas que os proletários têm empreendido ao longo da luta.

Desta forma, fizeram tudo que era necessário para garantir que os slogans e as razões da luta não fossem ao fundo do problema e, portanto, com toda a sua capacidade de cooptação, desmobilizam enquadrando e limitando tudo a meras marchas pacíficas convocadas para satisfazer o ego oportunista das figuras que aspiram tomar o poder.

O conjunto do esquerdismo e do cidadanismo, embora pareçam opostos à ordem vigente, nada mais são do que seus fiéis defensores; uma vez que seus programas meramente progressistas e reformistas deixam intactos, veneram e sacralizam todo o conglomerado de instituições e estruturas que sustentam a sociedade de classes: leis, constituição, progresso, pátria, prisões, propriedade, direitos, liberdades... em suma, toda a podridão que amalgama a civilização capitalista.

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E como se não bastasse, a isso se soma o cinismo brutal dos jornalistas necrófagos que, através da mídia burguesa, se apressam em espalhar a voz de seus mestres e aplaudem a chegada de tropas às zonas de conflito. Em coro, os políticos em coletivas de imprensa trazem seu ódio de classe e desprezo racial contra os proletários que não se rendem.

Não é surpreendente que a burguesia, em sua busca para manter a normalidade necrótica do capital, expresse seu grande medo de que o conflito cresça e se espalhe, defendendo impacientemente a intervenção dos órgãos repressivos, para demonstrar que não estão dispostos a continuar perdendo milhões de pesos pelos bloqueios realizados pelos rebeldes e incontroláveis.

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Quem se empenha na luta contra a sociedade burguesa sabe de antemão que tem contra si toda a organização da violência institucionalizada e todo terrorismo estatal-capitalista...

Portanto, tal ação dos poderosos não é surpresa, já que é bem conhecido o verdadeiro papel dos agentes do Estado, da imprensa, dos funcionários públicos, dos militares e da polícia. E se, apesar de tudo isso, a dúvida ainda persiste na mente dos mais incautos, a questão deve ser colocada:

Alguma vez vimos um policial defender os famintos e quebrar cara dos empresários? Não, nunca, a mesma pergunta desnuda a realidade, porque as forças policiais são o braço armado dos exploradores, então não há razão para se surpreender que o Estado-Capitalista descarregue sua fúria quando os oprimidos se levantam e tocam seus interesses. É igualmente absurdo e ilusório pedir aos representantes do Estado que punam seus mercenários que reprimem, torturam e assassinam.

*** 

Após o derramamento de sangue, um grande setor do magistério ainda insiste em manter mesas de diálogo com o Estado, um caminho que não tem futuro.

Que não haja dúvida: a raiva expressa nas ruas não pode se contentar em aspirar a derrubar algumas reformas ou remover um partido ou personagem do poder. Tais anseios não correspondem às nossas necessidades enquanto classe em luta; pelo contrário, apenas nos desviam e nos distraem da única luta histórica que mais cedo ou mais tarde teremos que enfrentar: a destruição completa do capitalismo e todos os seus fundamentos materiais e ideológicos, junto com toda a máquina do Estado e suas instituições.

A luta proletária deve quebrar todos os limites que a burguesia oferece, não há lugar pelo respeito às suas leis ou normas. Acreditar que a situação atual pode ser melhorada a partir dos órgãos parlamentares e da legislação é forjar a nossa própria derrota; é reforçar os currais do matadouro para o qual fomos conduzidos continuamente.

Portanto, não devemos permitir que nenhuma estrutura social-democrata, cidadanista, pseudo-proletária, assuma as lutas que estão se desenvolvendo, o que significaria deixá-las livres para depois se sentarem e negociarem com os exploradores a aniquilação do movimento. Os mortos não podem ser negociados.

"Nossos mortos não são esquecidos. Malditos assassinos!"

Em vez disso, torna-se latente entre os explorados a produção de suas próprias respostas, perspectivas que vislumbrem além de remendar esta realidade miserável, mas, acima de tudo, serem os gestores diretos das lutas e assumirem a prática antagônica e revolucionária.

***

A tranquilidade burguesa foi quebrada. Tal como em Oaxaca e grande parte do México, também no Oriente Médio, França, Grécia, Chile, Venezuela e em outras partes do globo vemos a fumaça da revolta. Sente-se que a base firme do capitalismo está desmoronando. Portanto, preparemo-nos para as batalhas revolucionárias que vão acabar com este mundo cheio da miséria, a fim de recuperar as nossas vidas e desenvolvermo-nos totalmente como uma comunidade humana, no comunismo e na anarquia.

Enquanto houver miséria, haverá rebelião!
Guerra ao Capital até que ele caia!
Pela extensão e generalização das lutas proletárias, não só em Oaxaca, mas em todo o mundo!
Pela autonomia da classe!
Contra o reformismo e contra todos os partidos políticos!
*** 

...O proletariado levantou a cabeça e sabe que entre as duas classes - a dos
famintos e a dos fartos, a dos pobres e a dos ricos - não pode haver paz, não deve haver paz, senão guerra sem trégua, sem piedade, até que a triunfante classe trabalhadora
jogue a última pá de terra sobre o túmulo do último burguês e do
último representante da autoridade...
Ricardo Flores Magón


A raiva explode em Oaxaca: espalhemos a agitação e a guerra social!

“Que raiva se sente ao ver que eles têm as armas, que deste lado temos que correr porque os gases obscurecem a sua visão, chegam a ti através da frente e pelo ar através dos helicópteros sobre você, sobre todos; pessoas pegando baldes de água de casas, colonos, mães, pais, jovens, crianças lutando, unindo coragem, não por reforma, não pela seção XXII [da CNTE], mas pelos mortos, pela pobreza, porque não há mais o suficiente para comer e os preços disparam como helicópteros assassinos.”

(Testemunho de um proletário nas barricadas de Oaxaca)


Enquanto a burguesia acumula Capital, nós explorados acumulamos raiva. O atual levante em Oaxaca, onde as barricadas queimam novamente, dá uma prova completa de que a luta de classes segue vigente; nós, proletários, que sofremos diariamente as condições miseráveis de sobrevivência e exploração impostas pela ditadura econômica, somos também aqueles que diariamente e de várias formas lutamos contra essa realidade nojenta.

A crescente generalização da luta começou a quebrar certas barreiras, cuja prova é a adesão de numerosos proletários em apoio aos bloqueios de estradas e a organização da autodefesa nos territórios onde os corpos repressivos fizeram incursão (destinados a restaurar a nauseante normalidade cidadã). Os participantes do conflito não se limitam a professores, alunos ou pais de família... todos eles fazem parte do mesmo sujeito histórico da luta de classes: o proletariado, e não da cidadania ou a qualquer outra categoria social-democrata.

O germe da rebelião de nossa classe deve se expandir, pois uma luta isolada é uma luta perdida. Por sua vez, ela deve romper com todas as ilusões democráticas. Nossas necessidades não podem ser resolvidas com mesas de diálogo, nem com assinaturas ou reformas. A fúria da nossa classe que se acumulou e transborda está se organizando e se espalhando, mas ela terá que superar suas limitações, lutar contra as suas contradições e tomar caminhos revolucionários, caso contrário estará condenada novamente ao fracasso.

Ao longo dessa luta, a força militar e policial do capitalismo acrescentou mais mortos, detidos e desaparecidos na lista do Estado; continuará a fazê-lo até que a paz social seja brutalmente imposta aos oprimidos e eles se resignem a obedecer servilmente aos desígnios dos poderosos. Ante o ataque repressivo, é claro que a resposta não é pacifismo ou marchas de braços cruzados; é essencial organizar a autodefesa e o ataque aos repressores, governantes, deputados e carcereiros. Esta dura realidade imposta não admite ingenuidade companheiros! Deve ficar claro que o Estado jamais punirá seus assassinos contratados ou seus torturadores! Sob o sol negro do capitalismo, só podemos morrer de fome ou sob as balas dos gendarmes! Eles temem nossa luta e é por isso que em cada demonstração estarão presentes os tanques, os gases tóxicos e as balas de borracha!

A raiz que sustenta todos os massacres reside no domínio do capitalismo, portanto nossas lutas devem ser direcionadas para sua destruição total. Não há reforma ou possível melhoria. Por isso, o slogan não deve ser “a defesa da educação” ou da "nação"; curvar-se aos programas e slogans da democracia nos leva apenas a reforçar os fundamentos desta sociedade de classes: trabalho assalariado, competição e a ditadura do dinheiro sobre a vida humana. 

Nossa palavra de ordem deve ser a radicalização e comunhão de nossas lutas; estas já não podem mais perambular divididas (em trabalhadores por um lado e desempregados por outro); além disso, é necessário quebrar os currais das esferas legais e jurídicas. O Estado é nosso inimigo, não há nada a lhe implorar ou qualquer razão para tratá-lo como igual. 

A luta autônoma do proletariado contra o mundo das mercadorias é o único caminho que conduz a uma verdadeira emancipação. Não desperdicemos nossas energias tentando conciliar interesses incompatíveis, não há pacto possível contra nosso inimigo mortal. Não derramemos nosso sangue para "melhorar" o capitalismo, não há nada de positivo que pode ser resgatado dele. O que está podre por dentro não tem futuro a não ser sua extinção. Por isso, contribuamos para a sua aniquilação total, pois só superando e destruindo o que nos destrói, podemos recuperar nossa humanidade.

Que as chamas das barricadas não se limitem à remoção de um ou outro servo do Estado-Capital; que a nossa luta não se reduza a derrubar uma reforma ou outra; e que nossas batalhas não se destinem a destituir um ou outro presidente. Vamos levantar algo de acordo com nossos interesses históricos nesta guerra de classe mundial. É hora de travar uma única batalha: classe contra classe, onde já não exista como voltar atrás.

É hora de ir para as ruas e que o medo comece a trocar de lado!
Que a solidariedade não seja apenas uma palavra escrita!
Disseminar as conquistas e ocupações de escolas, locais de trabalho, transportes,
ruas, praças e meios de comunicação burguesa!
Que seja queimado aquilo que tem de queimar!

# Alguns zangados, enfurecidos, descontrolados e fartos de toda essa merda. 
# México, 2016.


Proletarios internacionalistas

As chamas dos prédios governamentais, o derrotismo revolucionário, as praças ocupadas, os ataques a delegacias, a reapropriação de moradias, os ataques a setores social-democratas, a dinamite e as armas, as ocupações de fábricas e locais de trabalho, os folhetos e textos, os saques aos supermercados, os ataques a torturadores... 

O ressurgimento do proletariado a nível mundial é confirmado por revoltas que percorrem diferentes países e adotam os meios usuais de luta. No entanto, estas revoltas nos mostram a necessidade de ir mais longe, de saber o que fazer quando a fúria proletária prevalece nas ruas e o Estado cambaleia, quando a burguesia se encontra forçada a recuar. Nesses momentos preciosos, as minorias mais determinadas geradas pelo proletariado têm um papel fundamental, e é por isso que elas se procuram e se coordenam.

Hoje, como ontem, procuram dar continuidade à luta, estendê-la internacionalmente para levá-la às últimas consequências. Elas são uma força decisiva para a organicidade, direção e autonomia de classe. São um impulso do proletariado que tenta assumir todas as tarefas que o seu movimento exige e promover medidas e critérios que nos aproximam da revolução, a abolição do Capital, a gestação de uma verdadeira comunidade humana mundial.

Proletarios internacionalistas é uma pequena expressão internacional dessa organização das minorias revolucionárias, determinadas a fazer que esta onda de lutas seja a definitiva. Se algo caracteriza e define este processo organizacional é, por um lado, a oposição radical à democracia, ao parlamentarismo, ao sindicalismo, ao nacionalismo, ao oportunismo e a todo tipo de forças que neutralizam e liquidam o poder subversivo do proletariado; por outro, assume toda uma série de tarefas essenciais na luta pela destruição do capitalismo, das classes sociais e do Estado. 

Apesar da força do cidadanismo, da cooptação pelos partidos políticos e da paz social prevalecente, nossa classe acentua o conflito em várias áreas de Oaxaca, pavimentando o caminho para a construção da autonomia fora e contra o aparato do Capital. Os proletários incontroláveis se organizam, praticam boicote, sabotagem, expropriação, recuperação de terras, esforçam-se para compreender o seu momento histórico, para se apropriar de sua experiência de luta, tudo isso em comunidade e solidariedade entre os explorados. Vamos reconhecer esses processos pelo o que eles são: de proletários contra o Estado-Capital. Reforcemos em comum a tendência de ruptura radical que estes processos possuem, combatendo as mistificações da esquerda do capital e do reformismo.



Notas

[1] É de notar que no México em geral, e em Oaxaca em particular, a luta do proletariado tem mantido um elevado nível durante décadas e que os professores têm estado na vanguarda da mesma.
[2] Amotinados equipados com bazucas artesanais, simples canos de PVC para lançar diferentes tipos de fogos de artifício.
[3] Não estamos nos referindo ao EZLN, uma organização burguesa, mas às lutas que se desenvolvem naquela região e que não são repercurtidas pelas câmeras do mundo do espetáculo altermundialista.
[4] Em Atenco, um ano de lutas importantes contra uma expropriação massiva visando construir um aeroporto; os motins, as ocupações e uma relação de forças favorável dia após dia em suas terras resultaram no abandono pura e simplesmente do projeto em agosto de 2002. Um clima explosivo mantem-se há 5 anos.
[5] Ulises Ruiz Ortiz, chamado URO, governador de Oaxaca, é odiado porque tem uma maneira muito liberal de administrar os assuntos capitalistas, ou seja, favorece o enriquecimento pessoal, o clientelismo e o desprezo pelo “populacho”.
[6] Panelaços. [Nota da Revisão]
[7] A natureza radical de um movimento social muitas vezes pode ser percebida por meio dos textos que os alimentam. Ao longo do período do movimento, os escritos intransigentes e revolucionários de Ricardo Flores Magón circulam aos milhares...
[8] A organização dos direitos humanos SERAPAZ chegou até a propor uma trégua de cem dias com uma manutenção à margem de URO. Um comitê cívico dirigiria a cidade e a função de polícia seria exercida sob o poder central... Com uma consequência evidente, o refluxo do movimento. 
[9] Em 2 de novembro, quando a Rádio Universidad anunciou o ataque à universidade, muitas mulheres saem para a rua e tentam tirar os escudos dos policiais. Elas carregam vinagre e Coca-Cola, para distribuí-los como proteção contra gases ... elas quebram telhas, às vezes com as mãos, para fazer munições ... às 12h15, a chegada de quatro tanques e reservas de gás lacrimogêneo causam certo alívio entre os policiais ... Muitos coquetéis molotovs, inicialmente armazenados em carrinhos, são lançados e conseguem atear fogo em alguns tanques e ferir alguns policiais. Outras armas são utilizadas, como garrafas de gás inflamável, hondas e bazucas de PVC, e graças a uma delas, em um ponto da batalha, os proletários estão prestes a atingir um helicóptero circulando no céu enquanto espalha gás. Os proletários devolvem as bombas de gás lacrimogêneo provenientes das linhas policiais e dos helicópteros, fazendo alguns deles choramingarem e se protegem sob seus colegas; além disso, vários perdem parte de seus equipamentos por conta de pedras e outros projéteis. O momento decisivo é a chegada de milhares de proletários, que pouco a pouco circundam a PFP [Polícia Federal Preventiva]. Depois de algumas horas de luta, os proletários conseguem imobilizar um tanque e atear-lhe fogo, fazendo seus ocupantes fugirem. Pouco tempo depois, começa a faltar gás lacrimogênio para a polícia e eles são cercados em cada uma das cinco ruas, quando chega a ordem de retirada. No início da luta, um líder de uma equipe de limpeza removerá uma barricada, gritando e empurrando seus trabalhadores para que apoiem a PFP. Primeiro, chegam os primeiros 500 proletários, mas logo depois são milhares que lançam pedras..., forçando-os a fugir com seus caminhões. Naquela tarde, um garçom de um hotel de luxo ri ao escutar as justificativas de um funcionário, que fala em retirada estratégica! Esse mesmo garçom vai participar mais tarde de uma barricada em seu bairro. Em 25 de novembro, em Macedonio Alcalá e Murgina, aqueles com as bazucas formam uma linha, protegidos por escudos, alguns deles recuperados durante outros confrontos nos últimos cinco meses.
[10] Retirado do Vídeo-panfleto feito por colegas, que pode ser visto aqui.

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