O seguinte texto foi traduzido a partir do número 48 da revista Comunismo publicada pelo Grupo Comunista Internacionalista e disponibilizado pelo grupo Humanaesfera. Se encoraja sua difusão.
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Eu,
proletário?
Contribuição
para a definição do proletariado[1]
Parte
Um: Dominação de classe e negação do proletariado
A dominação burguesa é mantida
porque o proletariado não a destrói. Se não foi capaz de fazê-lo até
agora, é porque esta classe social ainda não se tornou uma força
suficientemente compacta e poderosa para fazê-lo.
No entanto, para se tornar uma
força de abolição do sistema social, é necessário que a luta pela vida se cristalize
em uma atividade revolucionária voluntária e consciente. A consciência
histórica da necessidade de se tornar uma força, um partido, é determinada, por
sua vez, pelas condições materiais, pela exploração e pela luta contra a exploração,
pela contradição cada vez mais explosiva entre as possibilidades que a
humanidade tem em termos do desenvolvimento das forças produtivas e a realidade
miserável em que a maioria da espécie humana é mantida.
Os revolucionários observaram
mais de uma vez que essa determinação histórica geral em relação à revolução
social não é linear, não é imediata, e que pode ser atrasada, condicionada,
desviada por muitos fatores de natureza política, ideológica, religiosa,
cultural, etc. Portanto, em condições materiais impressionantemente
catastróficas, como as atuais, o protesto contra essas condições não é
assumido, diretamente, como gostaríamos, como uma ação organizada e
centralizada para a destruição do capitalismo[2].
Nessas condições, existem
diferentes tipos de movimentos sociais do proletariado, desde simples
protestos, greves ou manifestações de rua que respondem a este ou aquele ato de
um chefe, um ministro ou do governo, até movimentos muito mais gerais e
violentos que atacam todos os partidos e forças do capitalismo presentes e que
nas ações estão mostrando uma tendência muito mais geral de atacar toda a ordem
burguesa. Mas mesmo nesses casos a consciência que os protagonistas têm de
pertencer à mesma classe que luta em todos os países do planeta, da necessidade
de se organizar e centralizar-se em todo o mundo, a consciência da necessidade
de destruição da sociedade burguesa, não é nada comparável com a que
caracterizou o proletariado mundial nos anos de 1917-23, nem com a que se
desenvolveu nos anos 1968-73. Em muitos de nossos trabalhos tentamos
traçar as linhas gerais que determinam e caracterizam o atual período de luta e
a contradição entre a força com que o proletariado internacional reaparece aqui
e ali e seu nível baixíssimo de organização internacional permanente, de
associacionismo, de consciência de classe.
Em nossos diferentes textos
analisamos os fundamentos da dominação burguesa, da democracia, dos diferentes
subterfúgios dessa para desarmar, desorientar e esmagar qualquer tipo de
revolta proletária que não saiba, em certo momento, passar à ofensiva e se
mostrar como uma força centralizada compacta e determinada lutando por sua
ditadura contra a sociedade mercantil.
Não é por acaso que as
ferramentas do poder do capital são sempre as mesmas. A repolarização da
sociedade em diferentes alternativas burguesas, como direita contra esquerda[3],
antifascistas contra fascistas, liberais contra anti-neoliberais, nacionalistas
contra imperialistas, frente-populares contra nacionalistas, ditadores contra
democratas, militaristas contra pacifistas, islamistas contra cristãos,
republicanos contra monarquistas, não é apenas mais uma forma de reorganizar a
dominação burguesa que está em perigo, mas o método geral que tem a sociedade
(há muitos séculos!) de transformar a raiva social contra a sociedade em raiva ao
interior da sociedade, a guerra social em guerra inter-burguesa, a raiva
proletária em delegações e negociações dentro do Estado, o questionamento de
toda a sociedade em questionamento de uma forma específica de dominação, a luta
contra o capitalismo na luta contra uma fração burguesa e a favor de outra.
Se o segredo da revolução é a autonomia do proletariado e a constituição do mesmo em classe e, portanto, em partido; o segredo da contrarrevolução é a atomização do proletariado e sua canalização dentro da sociedade a serviço da luta de tal fração contra outra. Se os maiores triunfos da revolução mundial estão sempre ligados à conquista da autonomia de classe, à transformação da guerra imperialista em uma guerra social revolucionária, como o processo que levou à insurreição de 1917 na Rússia ou na Ucrânia um pouco mais tarde, os maiores triunfos da contrarrevolução estão todos ligados a uma liquidação do proletariado como força autônoma e sua repolarização dentro das forças burguesas, como o processo que vai da insurreição proletária das Astúrias em 1934 e julho de 1936 em Barcelona ao seu alinhamento internacional no fascismo e antifascismo e o início da "segunda" guerra mundial.
Essa forma
geral de ação da contrarrevolução é articulada com um conjunto de elementos
fundamentais da democracia, como o terrorismo de Estado, as promessas
parlamentares, os esquadrões da morte, as guerrilhas nacionalistas, gangues
patronais e/ou sindicais, convocações para eleições, mobilizações para defender
o Estado de Direito,... todos elementos que convergem para desarmar e liquidar
o proletariado. Nossos trabalhos sobre a atualidade contém centenas de
referências e explicações concretas como tal ou qual partido desse ou de tal
país usa a bandeira eleitoral, a bandeira nacionalista, a bandeira da paz, a
bandeira dos direitos do homem... para atordoar o proletariado no momento
decisivo, para desviá-lo de seus próprios objetivos, para distrair ao mesmo
tempo que outras frações (ou as mesmas!) organizam o massacre e a prisão de
seus elementos mais determinados. A esses elementos poderíamos designá-los
aqui, apenas com o propósito de sermos mais claros, como elementos políticos
da dominação democrática.
Em outros
trabalhos, descrevemos o funcionamento normal da sociedade burguesa de hoje, o
processo geral de atomização diária, da cidadanização, da imbecilização
generalizada que tornou o ser humano um animal bem adestrado cuja atividade
principal é ser um espectador (e não apenas televisivo!). Contribuindo para
este trabalho[4]
se encontram todos os meios de informação, o que é chamado de arte e cultura, a
escola, a ciência, as igrejas e seitas, as estruturas alternativas, os meios de
comunicação e de criação de ideias, a urbanização, os produtos químicos, drogas
e psicotrópicos, os jogos, a seguridade social, a medicina, a psicologia, os circos
e outras distrações organizadas,... Só para deixar esta exposição o mais clara
possível, vamos chamá-los de elementos sociais da dominação democrática.
É essencial
deixar claro que ambos os elementos, embora sejam diferentes faces da mesma
realidade, são, por sua vez, determinados pelo que é a essência da dominação
democrática, a economia mercantil, a produção e reprodução da sociedade
como confluência de livres vendedores e compradores de mercadorias, como um
encontro de indivíduos confinados ao seu próprio ser, como um confronto de
egoísmos recíprocos, como a expressão da luta de todos contra todos, como contraposição
livre de vontades e interesses privados. A respeito disso, não se deve esquecer
que os tão valorizados direitos humanos nada mais são do que a formalização
legal dessa oposição recíproca entre os indivíduos, que "nenhum dos
chamados direitos humanos, portanto, vai além do homem egoísta, o homem como
membro da sociedade burguesa, ou seja, o indivíduo voltado para si mesmo, seu
interesse privado e sua vontade privada e dissociado da comunidade" (Marx,
A Questão Judaica).
Está longe de
nós tentar separar ou dividir a dominação burguesa em seus aspectos econômicos,
políticos, ideológicos, sociais como estruturalistas fazem como se esses
aspectos pudessem ser tratados como entidades separadas (que logo a teoria
articula!); toda nossa concepção concebe a totalidade como uma qualidade
diferente da soma das partes. Além disso, basta isolar um elemento para
verificar-se que ele contém o todo, que o social, por exemplo, é ao mesmo tempo
econômico, ideológico e político[5].
Não há dúvida, portanto, de que não se tratam de realidades ou estruturas
diferentes, mas apenas de aspectos, ângulos de percepção, de uma mesma
realidade, como acontece, por exemplo, com conceitos como capital,
burguesia e Estado burguês de um lado ou classe e partido proletário de outro.
O que fazemos
é usar uma classificação relativamente arbitrária dos diferentes elementos para
melhor destacar a democracia como uma globalidade e a análise que
podemos fazer separadamente dos aspectos dessa totalidade só é válida entre nós
na medida em que ajuda a capturar a globalidade da dominação burguesa (ou que
nos permita discuti-la mais facilmente) e é concebida como parte de uma ação
contra essa globalidade. Como o leitor pode ver, a maioria de nossas obras a
esse respeito denunciam a totalidade da dominação burguesa e são concebidas
como armas de luta contra ela. E isso mesmo quando tratamos apenas de um
aspecto dessa totalidade, na medida em que sempre destacamos o vínculo efetivo
que esse aspecto tem com a luta internacional e histórica contra a sociedade
burguesa como um todo.
É com essas
premissas que definiremos o objetivo específico desta pequena contribuição.
Tentaremos analisar um elemento fundamental e básico que hoje é decisivo na
reprodução da totalidade, na persistência da contrarrevolução. Como veremos
neste artigo, o elemento primário, que caracteriza a atual forma de
dominação burguesa e permite a atual coerência dos elementos econômicos,
políticos e sociais da democracia, é a inconsciência de classe, a
mitologia que permite ao proletário de hoje considerar-se qualquer coisa menos um
proletário. Primário, básico, porque é sobre essa não-consciência de
pertencer à uma mesma classe que se funda toda a dominação.
Mostraremos
então que a chave para a dominação burguesa hoje é ter estendido a negação
histórica do proletariado como classe, após as derrotas das maiores ondas
revolucionárias da história[6], a
um nível tão generalizado que o próprio proletariado reproduz essa negação ,
porque em seu cotidiano, se desconhece enquanto classe, porque sua prática não
é propriamente prática classista. Escusado será dizer que esta negação do
proletariado como classe, base de toda esta sociedade de exploração, miséria e
destruição sem fim, embora encontre a sua expressão na consciência, não é uma
mera questão teórica, muito menos uma simples questão de ideias, mas um
problema eminentemente prático que só encontrará sua solução histórica
na prática revolucionária.
A INCONSCIÊNCIA DE CLASSE
Com efeito, a televisão
e o futebol, as eleições e os sindicatos, a “droga” e a “música”, o playstation
e os dispositivos consoladores (telefones, chats...), a política de esquerda e
de direita, as diferentes bandeiras nacionais, a corrupção e a “crise”, o
(neo?!)liberalismo e sua oposição, os grupos parapoliciais e sindicais, as
guerrilhas nacionalistas e islâmicas, o alternativismo e suas oficinas
autogestionárias, os governos populares e as campanhas antiterroristas,...
funcionam perfeitamente como mecanismos de falsificação, de desvio, de canalização,
de repolarização[7],
de destruição dos esforços do proletariado para se organizar, porque o
próprio proletariado não se reconhece como uma classe e porque não conhece sua
potência histórica e seu programa.
Formulando de
outra maneira: se hoje é tão fácil para a burguesia responder a uma luta
proletária em qualquer lugar, isso se deve, sem dúvida, ao fato de que o
proletariado do resto do mundo não se reconhece nela, porque por um conjunto de
mecanismos de controle (e mesmo de manufatura) da informação, da história... o
capitalismo faz os proletários do mundo acreditarem que o que acontece alhures
não tem nada a ver com o que acontece “aqui”, com o fato de que a ausência de
associação, de discussão, da imprensa proletária internacionalista...
cristaliza-se em uma total inconsciência da realidade, levando a uma dispersão
total da potência proletária mundial, que fica reduzida a um grupo de
espectadores que imaginam que na “Albânia o povo protesta contra um golpe
gigantesco”, na “Argélia eles querem impor o islamismo”, nos “Estados Unidos
quem protesta são negros ou latinos... de qualquer maneira lá não há miséria”,
que na “Argentina ou Brasil há saques porque há fome causada pela corrupção”,
que no “Iraque a luta é entre as massas lideradas pelos nacionalistas e o
Estado central” ou pior “entre diferentes facções islâmicas”, “que na África há
uma luta entre esta ou aquela tribo ou grupo étnico”, que no “México a
alternativa é o Subcomandante Marcos”...[8]
e/ou que a contradição é entre um Chávez e um Bush.
Esse
sentimento de que o que acontece em outros lugares é diferente é obviamente a
chave para a negação do proletariado como classe. Todos os mecanismos
ideológicos contribuem para isso. A falta de solidariedade de classe generalizada
se baseia no fato de que cada um é levado a crer que não será afetado pelo que
acontece no mundo, que sua salvação está na melhoria local (da comuna ou da
cidade), que ele estará seguro graças ao sindicato ou à melhoria da economia
nacional. Todas as estruturas do capital lhe dirão que essa luta não é deles e,
quando não conseguirem convencê-lo, organizarão uma campanha humanitária para
destruir a solidariedade de classe e enfrentar a ação direta do proletariado em
luta.
Seria absurda
uma discussão que quisesse determinar se a destruição do proletariado pela
contrarrevolução (depois das diferentes ondas revolucionárias de 1917/23 e, em
menor medida, de 1967/73) é o que “explica” essa ignorância generalizada que o
proletariado tem de si mesmo como classe e conseqüentemente o êxito dos atuais
mecanismos da democracia; ou se, pelo contrário, é o funcionamento normal desses
mecanismos que, pela sua eficácia na idiotização (também no sentido original de
ignorância, desinteresse pela “política”) generalizada fazem possível que o
proletariado desconheça-se, que ele ignore totalmente o que acontece no mundo
hoje e o que aconteceu antes, quando o proletariado se contrapôs efetivamente a
toda ordem estabelecida como uma força mundial consciente[9]. É
um fato que ambos os processos contribuíram e contribuem para a ignorância de
classe que caracteriza o proletariado hoje.
É muito mais
interessante para esmiuçar (analítica e praticamente) a dominação burguesa
estudar os diferentes níveis dessa ignorância do proletariado de seu próprio
ser, dessa autonegação negativa do proletariado como classe internacional:
negação de sua própria vida, de sua própria luta, negação que reproduz a
dominação burguesa.
Entendemos por
“negação negativa do proletariado” aquilo que realiza o próprio desenvolvimento
do capital, sua reafirmação, sua reprodução ampliada, porque nele o
proletariado não é um sujeito, mas um simples objeto: negação de sua força,
atomização cidadã, redução a uma simples parte do capital reproduzindo-se (capital
variável). O exemplo supremo dessa negação é o massacre generalizado na guerra
imperialista onde, como carneiros com as respectivas bandeiras nacionais, os
homens se matam, constituindo assim uma parte indispensável do ciclo de
reprodução do capital (crise, guerra, reconstrução, expansão, crise...): aqui o
proletariado nada mais é do que bucha de canhão. Em oposição a isso, como
veremos neste texto, entendemos por negação positiva do proletariado sua
constituição em força, em classe dominante, para abolir o trabalho assalariado
e o capital e, portanto, todas as classes sociais, negando-se assim positivamente
como classe. Em ambos os casos o proletariado se nega, mas enquanto na negação
negativa o sujeito ativo é o capital, nesse último, que é também uma negação
definitiva e infinitamente mais rica em determinações, o sujeito é o
próprio proletariado e é neste sentido que a revolução comunista pode (deve)
ser concebida como a auto-negação do proletariado.
É precisamente
isso que queremos tratar neste texto, como uma pequena contribuição à inversão
da práxis que se concluirá com a reafirmação do proletariado, a sua constituição
em classe e, portanto, em partido, para sua verdadeira auto-negação positiva:
a constituição em classe dominante para se abolir como uma classe e, assim,
abolir para sempre todas as classes, toda a exploração e toda a dominação
secular de classes e se tornar uma verdadeira comunidade humana mundial.
Sentimentos individuais e
coletivos, sociológicos e políticos do não pertencimento ao proletariado
O não
reconhecimento do proletariado como classe, que encontra sua expressão máxima
nos níveis sociais e políticos, quando a maioria do proletariado mundial não
reconhece como sua uma luta em qualquer outro lugar, pode assumir inúmeras
formas ou aspectos, desde os mais particulares e individuais a aspectos muito
mais gerais e ideológicos.
Causa e/ou
consequência, é claro que hoje o proletário não sente a luta do proletário em
outra parte do mundo como sua, da mesma forma que não se sente proletário no
sentido mais elementar da palavra.
Alguns são
levados a crer que não são proletários porque estão empregados, outros acham
que não são proletários porque estão desempregados, aquele lá se sente camponês
em oposição ao operário, outro pensa que é um comerciante porque é vendedor
ambulante, muitos outros se sentem muito jovens ou muito velhos para serem
proletários, haverão também aqueles que, por serem mulheres, se sentirão menos
preocupados com a questão de sua classe ou que sentirão a opressão racial como
mais determinante do que a de classe e em vez de sentir-se proletário negro,
proletário latino ou proletário amarelo, ele se sente negro, latino ou
amarelo... e para aqueles que superarem essas formas mais básicas de negação
imediata da realidade do proletário, haverá outras formas mais
político-ideológicas dessa mesma negação, como se sentir “anti-imperialista”,
“antineoliberal”, “palestino”, “judeu”, “cubano”, “esquerdista”, “francês”,
“ianque”, “aymara”, “curdo”, “croata”, “trabalhador de um país rico”,
“feminista”, “anti-racista”, etc. São precisamente essas negações do próprio
proletário que consolidam a ideologia burguesa do “verdadeiro proletário” que,
como se sabe, é um trabalhador industrial, nacional, homem e que olha com
desprezo para o lumpem, ao estudante, ao saqueador, ao imigrante, à mulher e a “todos esses negros”.
Um colega do
nosso grupo que trabalhava na indústria automotiva como operário foi chamado um
dia e lhe disseram que mudaria seu status, que seria promovido, que a partir de
agora não seria mais operário, mas empregado. Foi uma grande surpresa descobrir
na semana seguinte que ele estava ganhando apenas meio por cento a mais e que
seu emprego ainda era o mesmo, mas é claro que ele tinha recebido um status
pelo qual ele não deveria mais se sentir igual aos trabalhadores que
trabalhavam ao lado dele, sendo assim convidado a participar da ilusão de se
distinguir de seus companheiros habituais. Outro colega que era agricultor e
vivia trabalhando para pagar os bancos que lhe emprestaram para comprar a
fazenda, os capitalistas vendedores de sementes e fertilizantes, os que venderam
a escassa maquinaria que comprava parceladamente... (em muitos casos trata-se
de uma única empresa que assegura todas essas funções como capitalista)
constatou que na região nenhum dos que viviam como ele se considerava parte do proletariado,
que era muito difícil propor atividades comuns porque quase todos acreditavam serem
proprietários. Um vendedor de revistas no metrô e nos ônibus também nos disse
que nessa profissão muitos se consideram livres, comerciantes... e não têm
consciência de que na prática estão vendendo sua vida, sua força vital em troca
de algumas migalhas que lhes permitem subsistir.
Entre os
autodeclarados “colarinhos brancos” a inconsciência de classe, ou seja, a
ilusão de não pertencer ao proletariado, é ainda pior. O fato de a produção ser
reificada em formas mais abstratas e a ideologia de se distinguir do
trabalhador manual aumenta a ilusão. O trabalhador de escritório está
convencido não só de que seu trabalho é menos cansativo e destrutivo do que o
do operário ou do mineiro e que não é comparável acabar com a visão (e muito
mais!) com o computador 8 horas por dia com a vida miserável de um mineiro, senão
que a partir disso se considera muito superior e diferente do outro e nem
remotamente se dá conta de que a essência de sua vida é exatamente a mesma:
vender-se para sobreviver. Tem o professor da escola que, por modelar cérebros
em vez de outras matérias mercantis, acredita ser menos proletário ou o
funcionário público a quem se promete um emprego vitalício e por isso acredita
ter, ao contrário do resto da sua turma que vive a ameaça permanente do
desemprego, o futuro assegurado, uma segurança que o colocaria totalmente fora
do proletariado.
Crianças em
idade escolar, estudantes ou em geral os setores que não estão vendendo sua
força de trabalho e “sendo diretamente explorados”[10]
geralmente acreditam que estão flutuando entre as classes e que são muito menos
proletários do que o trabalhador que mora ao lado ou mesmo em sua própria casa!
Tudo o que é socialmente designado como educação e cultura se destina a
produzir trabalhadores com consciência de cidadãos, proletários com a ideologia
de “homens livres”, produtores com a ideologia de “consumidores”. Aos filhos de
proletários que frequentam o ensino primário, secundário e/ou universitário,
que também recebem uma boa dose diária de televisão e, por isso, estão sendo
formados como força de trabalho do capital (toda formação técnico-científica é
isto e nada mais!) lhes é inculcado (da mesma forma que o cristianismo lhes foi
imposto na Idade Média!) o livre arbítrio com respeito a suas vidas, lhes é
oculto que fazem parte de uma classe que se reproduz como escrava. Quanto mais
livre o proletário pensa ser (“sou livre para decidir”)[11], tanto
mais dócil e submisso ele será em relação à sua exploração, tanto mais será um
idiota útil em toda a sua vida. Assim, ao mesmo tempo que lhe é imposto, desde
a creche ou nos primeiros anos de escolaridade, elementos essenciais para
posteriormente aceitar a disciplina do escritório, da fábrica ou do
supermercado (disciplina e ordem escolar, horário de trabalho, recreação como curta
suspensão entre dois horários de trabalho, voltar para casa para reproduzir
suas energias para aguentar... mais escola e depois mais trabalho), é levado a
crer que está estudando para decidir o que será depois, para que possa ser “livre”
mais tarde. Assim, o escravo aprendiz repete a frase que lhe foi imposta pelo
seu opressor e que lhe acorrenta: “estudo para poder trabalhar no que quero”. O
que o escravo assalariado acredita ser sua liberdade são, na realidade, as leis
do mercado de força humana oferecida ao lance mais alto para ser explorada.
Essa crença permite que a oferta de força de trabalho seja adaptada às
necessidades futuras do capital, que se expressarão na demanda por escravos
assalariados. Sua função de classe reproduzindo-se como explorada será mais bem
assumida na mesma medida em que seus componentes acreditam-se realizando sua
liberdade; esses escravos que preparam e afirmam sua própria escravidão
assalariada serão tanto melhores na medida em que acreditarem não pertencerem à
classe dos explorados. Mesmo quando os estudantes de lares proletários entram em
luta, eles não rompem ou não o fazem de forma suficientemente radical com toda essa
ideologia, essa inconsciência de classe se cristaliza na pretensão de
ser um movimento separado, “o movimento estudantil”, sem contar aqui a força
das ideologias marxista-leninistas ou outras que falarão de um “movimento
pequeno-burguês” e repetirão em coro com toda a contrarrevolução que “os
estudantes querem tal coisa ou exigem tal outra”, que “o movimento estudantil
aspira...” como se pudessem ter interesses próprios!; como se existisse entre o
capital e o proletariado um terceiro setor no meio das classes com interesses
diferentes de ambas! Todas as ideologias sobre a originalidade do “movimento
estudantil” expressam os interesses da classe dominante, seu desejo de uma
categoria sem classes que exista entre ela e o proletariado ameaçador e que
serviria como um amortecedor, uma almofada social. Como se, em algum momento da
vida, o ser humano pudesse reproduzir-se sem pertencer a nenhuma das classes!
Como se, ao entrar no ensino médio ou na universidade, o pertencimento a uma
classe social se diluísse!
O mesmo
acontece com outras categorias policlassistas como a camponesa, que significa
apenas habitante do campo (como cidadão significa originalmente e obviamente
habitante da cidade!) e que invariavelmente serve para confundir e subjugar o
proletariado agrícola. Ao colocar o trabalhador rural no mesmo saco do
capitalista agrário e do latifundiário, ele fica isolado do irmão proletário da
cidade e de outros países. E nesse terreno úmido então chovem os discursos
sobre a miséria da gente do campo, sobre o isolamento dos sem-terra e a pobreza
do campesino,... A tão alardeada fraqueza do campesino nada mais é do que esse processo
ideológico de separação e isolamento que a burguesia de todas as cores reproduz
por todos os meios à sua disposição. Quando também há características raciais
ou econômicas que permitem que essa separação seja aumentada, se insiste nelas,
como o marxismo-leninismo historicamente fez para aumentar a exploração e
desenvolver o capital, como reproduzem em sua propaganda as organizações
stalinistas e maoístas ou mesmo o cinema esquerdista latinoamericano. Assim se
fala de campesinos, de indígenas, de trabalhadores autônomos, da gente do campo
que é pobre e de classe média, desconhecendo inclusive a unidade real do
movimento proletário na luta contra o capital e o Estado.
Miserabilismo e isolamento
daqueles que lutam
Raramente
paramos para refletir sobre os milhares de mecanismos mais sutis ou grosseiros
com os quais o capitalismo esconde a realidade imediata do proletário de seu
inimigo histórico, negando-o como tal e, portanto, tornando-o sua vítima. Mesmo
a descrição 'inocente' de miséria absoluta, miséria extrema, acompanhada de
todo tipo de alternativas de caridade faz parte dessa negação do proletariado
como classe: a insistência interminável no lado “objetivo” da miséria (como,
por exemplo, é feito com “os índios de Chiapas” ou os condenados à fome na
África) impede de ver o seu aspecto dinamicamente subversivo e pretende
liquidar a solidariedade revolucionária em nome da pobreza.
Assim, quando
esses “pobres”, assumindo praticamente todas as suas determinações proletárias,
se revoltam abertamente contra o capital e o Estado, os proletários adormecidos
do resto do mundo, se por acaso descobrirem, não verão mais do que um protesto
de “pobres”. Com base nisso, é muito fácil para o Estado organizar o isolamento
total desses proletários em luta: aos “pobres índios”, aos “pobres negros” são
enviados alguns quilos de arroz com a clara condição de que renunciem sua luta.
ONGs, organizações humanitárias de esquerda e direita, igrejas, partidos e
sindicatos usam essa inconsciência de classe generalizada para manter os
proletários de todo o mundo com a consciência limpa por terem feito um pouco de
caridade, enquanto na verdade se transformam em participantes objetivos na
liquidação da revolta proletária.
A função
essencial da propaganda estatal ou paraestatal em toda parte é a divisão do
proletariado. Cada reemergência do proletariado como classe é acompanhada por
uma desqualificação voluntária e consciente dos setores de vanguarda proletária,
dos setores que colocam a oposição da propriedade privada no terreno da ação
direta. Em absolutamente todas as revoltas proletárias, esta desqualificação
visa, em primeiro lugar, que os proletários dessa mesma região ou país não se
sintam preocupados e, se for possível que se oponham, e, em segundo lugar,
isolar essa revolta dos proletários de outras regiões e países.
Assim, a luta
do proletariado no México, Rússia e Espanha na primeira metade do século 20 foi
desqualificada como uma revolução camponesa, e em todos os casos foram atribuídos
à luta objetivos diferentes dos da luta do proletariado internacional. Em
primeiro lugar, o caráter proletário da revolução no México foi negado com a
participação da grande maioria dos partidos chamados socialistas e anarquistas
que proclamaram que, naquele país, o proletariado tinha interesse em
desenvolver o capitalismo primeiro e que tal e qual governo era, além de
progressista, anti-imperialista. Em seguida, atribuiu-se à revolução na Rússia
apenas objetivos democráticos burgueses e de desenvolvimento do capitalismo,
isolando assim os proletários que, no campo e nas cidades daquele país,
proclamaram a revolução social contra o capital. Algumas décadas mais tarde,
foi criado um muro antifascista contra a luta do proletariado na Espanha, negando
com o terror republicano e stalinista e a propaganda antifascista internacional
a verdadeira luta dos proletários naquele país. E esses são apenas três
exemplos, obviamente muito importantes, dessa onda de lutas que abalou todos os
continentes.
Anos depois,
toda a onda revolucionária internacional de 1968/73 teve a atribuição de
diferentes objetivos em cada país, o que teve grande ajuda da divisão
ideológica do mundo em três (do primeiro ao terceiro mundo!) e quando em países
e regiões inteiras o proletariado questionou o poder burguês com armas, as
organizações de esquerda cúmplices encarregaram-se de isolar essas revoltas,
dizendo que eram movimentos de terceiro mundo, que eram apenas estudantes, ou
que era a aristocracia operária.[12]
Mais perto de
nós, o proletariado insurgente no Irã (final da década de 1970), ou anos depois
no Iraque (início da década de 1990), foi desqualificado como islamista. E nos
últimos anos toda a propaganda burguesa foi usada para dizer que os piqueteros
argentinos não eram mais do que desempregados e lumpens, que os jovens dos
banlieues franceses (subúrbios) não pertenciam ao proletariado, que as revoltas
em toda parte são apenas "revoltas da fome"...
A propaganda
burguesa para esta desqualificação (do governo, da oposição e mesmo daqueles
que se proclamam revolucionários) é sempre grosseira, primária, racista, obreirista,
sexista, imperialista, eurocêntrica... Nem mesmo os argumentos importam, “eles
são jovens”, “são lumpen”, “têm outra cor”, “não têm critérios e queimam os
carros dos trabalhadores”, “são imigrantes”, “são muçulmanos”... o importante é
proclamar que quem luta é diferente, que a cor de sua pele não é a
mesma, que sua cultura explica aquele “ato irracional”. O crucial é que o
proletariado daquele país não se sinta solidário, que os proletários de outras
partes considerem esta revolta estranha à sua própria vida, à sua própria
condição de existência, à sua própria luta.
Esse tipo de
falsificação é essencial para a dominação burguesa. Funciona porque o
proletariado não pode entrar em luta como uma totalidade mundial, senão que as
lutas são necessariamente desiguais a nível setorial e regional... Embora por
seu conteúdo a luta proletária em qualquer lugar contenha os interesses da
classe mundial e de toda a humanidade, ela se manifesta necessariamente em
algum lugar, e justamente nessa contradição entre o global e o particular é que
toda a contrarrevolução atua, para que no particular não se assuma o global,
para que os proletários de outras partes não sintam como sua a luta dos
proletários em todos os lugares. Essa falsificação é o próprio combustível
deste sistema e da dominação de classe, é muito mais do que um problema de
ideias, é a negação prática do proletariado como classe mundial e que permite
ao capital enfrentar o proletariado bloco a bloco.
Assim ocorre o
paradoxo de que o capital, que contém em si todas as divisões, toda a
competição, todas as guerras e massacres imperialistas, age como uma unidade
contra toda ação proletária em qualquer lugar; enquanto que o proletariado, que
contém a unificação humana, a comunidade humana surgindo em oposição ao capital
em todos os lugares, que em qualquer luta local expressa por seu conteúdo o porvir
comunista, age separadamente e desunido diante do monstro capitalista mundial.
Assim, a dominação geral do capital é reproduzida e o proletariado é negado
em sua própria vida como classe, como força, como perspectiva e programa
revolucionários.
O desenvolvimento da negação: até a guerra imperialista
A efetiva
negação do proletariado como força, baseada nessa propaganda obreirista,
racista, elitista, imperialista, é o que permite isolar os setores em luta, mas
além disso é também o que consolida a cidadanização dos proletários, a
principal ideologia para fazer os proletários cúmplices de sua própria
burguesia, o que permite que os batalhões de trabalhadores sejam enviados ao
campo de batalha contra a revolução, o que em última instância permite que
todas as guerras repressivas e imperialistas sejam possíveis.
A negação do
proletariado como classe é o que torna possível, por exemplo, que a burguesia
no México, em meio à revolução proletária e graças aos serviços da socialista e
libertária Casa del Obrero Mundial e seu discurso “anti-imperialista”, consiga recrutar
batalhões repressivos, dizendo que os revoltados são apenas camponeses. Essa
negação do caráter proletário da revolução social no México permitiu que o
proletariado daquele país em plena luta fosse isolado de seus irmãos de classe
em todo o mundo: a imprensa internacional fala de uma revolta camponesa.
Organizações “socialistas” e “libertárias” de outras partes do mundo dizem que não
é nada mais do que uma luta política para impor este ou aquele líder. Não é
apenas um exemplo, particularmente importante porque é assim que foi liquidada
a primeira grande revolução proletária do século XX, senão que se trata do método
geral que a burguesia usa para negar o movimento proletário, isolá-lo e
destruí-lo na prática.
Não há
batalhões de burgueses e generais para reprimir! Como no México de então, sempre
foram e sempre serão proletários enquadrados pela democracia que atirarão
contra os proletários insurgentes. A reprodução ampliada da sociedade burguesa
como um todo depende desse massacre indispensável de proletários em luta por
outros proletários agindo como uma força de choque capitalista.
A expressão
máxima desta negação do proletariado é a guerra imperialista, isso é, quando o
proletariado, baseado em diferentes pretextos (paz, democracia, pátria...) é
colocado ao serviço da sua própria burguesia e é alistado ao serviço do “seu
próprio” estado. A festa máxima do capital é a guerra interimperialista, isso
é, a suprema negação negativa do proletariado em que os proletários defendendo
as suas respectivas “pátrias” (na realidade os interesses do capitalismo)
massacram-se mutuamente. O desaparecimento do proletariado como classe atinge
sua expressão máxima quando os povos agem somente despedaçando-se, as pátrias enfrentando-se.
A destruição dos seres, a mutilação, a liquidação dos meios de vida necessários
ao ser humano, confirma essa horrenda negação do proletariado levado ao seu
auge.
Mais
globalmente, ao longo da história do capitalismo, pode-se ver que as potências
imperialistas se desenvolvem como repressoras e gendarmes internacionais da
repressão de qualquer revolta proletária, precisamente por causa da submissão
de “seu próprio” proletariado ao funcionamento dessa potência imperialista:
fornecendo os homens que realizam essa repressão internacional, contribuindo
para ela com seu trabalho, seus votos, sua passividade... As ações
internacionais de repressão ao movimento proletário internacional são possíveis
porque nos poderes que realizam esta repressão a negação do proletariado como
classe está suficientemente consolidada para que o Estado possa continuar a
recrutar para estes massacres e/ou para a contribuição passiva a eles, enfim,
porque a oposição a essa política imperialista nada mais é do que uma mera
oposição de opinião e/ou pacifista e não consegue se cristalizar como uma verdadeira
contraposição proletária e revolucionária, que impeça essas guerras e
massacres.
Sem esta negação do proletariado ao serviço do capital, das suas guerras, dos seus massacres, seria impossível que essa sociedade continuasse a existir. Daí a importância da afirmação do proletariado como classe, ou melhor, da afirmação do processo pelo qual o proletariado, contra todas as falsificações ideológicas, se define praticamente como classe, como força e projeto revolucionário. É o que tentaremos definir na segunda parte deste texto que publicaremos em breve.
[1] 'Definição' não no sentido que lhe da a ciência, a
burguesia, não no sentido meramente ideológico, conceitual, mas no sentido de
definição histórica, de determinação prática, como veremos ao longo desta
contribuição. O mesmo se aplica ao termo negação.
[2] Que fique claro que não dizemos, como diria a
social-democracia, que essa luta não é histórica, mas imediata, que não dizemos
que é apenas uma luta econômica, etc., senão que enfatizamos que embora seja
por sua essência uma luta em oposição ao capital e o Estado não se assume como
tal. Para nós não se trata de introduzir a consciência, nem o caráter final e
histórico da luta contra o capitalismo, porque à medida que o progresso do
capitalismo desenvolve toda a sua barbárie, qualquer luta que se baseie nas
necessidades humanas se opõe à lucratividade do capital e em seu sentido mais
geral é uma luta essencialmente revolucionária. Mas o que estamos dizendo é que
em períodos como o atual, de pouco associacionismo de classe, quase nenhum
conhecimento do programa revolucionário, etc., essas lutas não assumem o que
realmente carregam dentro de si, não desenvolvem a potência que contêm, não se
apropriam de seu próprio conteúdo revolucionário, que se concretiza na não-assunção
das tendências inerentes à generalização, organização, centralização... Nesse
sentido, é muito mais correto dizer que “não se assume como uma ação
revolucionária centralizada” do que dizer “não se transforma em”, embora essa
construção raramente seja usada por ser muito mais pesada.
[3] Não esqueçamos que a realidade dessas categorias interburguesas é relativa, como os revolucionários sempre afirmaram. Não se trata de diferentes programas socioeconômicos, mas de diferentes discursos de enquadramento e dominação. Não existe uma direita que seja realmente diferente da esquerda. O fascismo que hoje é considerado de direita vem da esquerda e traçou seu programa da esquerda do socialismo italiano. O nazismo ou o franquismo, por sua vez, realizaram partes essenciais do programa do que então se autoproclamava socialismo e da própria frente-popular. Em suma, todo nacionalismo é inerentemente imperialismo, a melhor das democracias é inquestionavelmente uma ditadura e a mais cruel das ditaduras realiza a democracia ...
[4] Seria impossível
fazer uma enumeração exaustiva desses elementos tanto pela sua extensão e
heterogeneidade, como porque podem sempre ser classificados e reclassificados
entre eles e alguns podem ser incluídos noutros e vice-versa. Não se deve
esquecer que todos eles, embora assumam formas de estruturas ou instituições
complexas, produzem mercadorias e, sobretudo, contribuem para a fabricação da
principal: a força de trabalho sempre pronta para aceitar a exploração e a
dominação.
[5] Isso fica ainda
mais claro se formos mais para o particular e tomarmos algum elemento
importante, veremos reaparecer em todas as esferas nas mais variadas formas.
Por exemplo, a ciência é classicamente classificada como força produtiva do
capital quando colocada a serviço da produção (aumento da composição técnica do
capital) e da exploração (controle dos tempos e movimentos, gestão de pessoal,
...) e poderia ser classificada no econômico. Mas imediatamente aparece que é
usada para organizar as cidades de acordo com as necessidades da circulação de
mercadorias e contra possíveis levantes proletários (e é chamada de
urbanização), ou para domar as massas com base em produtos químicos de todos os
tipos, ou para falsificar alimentos, ou para suprimir manifestações, ou para a guerra
ou para ocultar a origem da deficiência imunológica em vias de generalização e
atribuí-la a um vírus, ou por qualquer outra campanha de intoxicação física
e/ou ideológica... E seria fácil ver que, com essa análise, uma grande jornada
pode ser feita ao infinitamente pequeno.
[6] Como dissemos na
nota sobre a “definição” do proletariado, falamos de “negação” no sentido
prático, como derrota física, política/ideológica e como reprodução histórica
dela. Ver mais adiante.
[7] Não esqueçamos
que o próprio trabalho torna a atividade vital uma atividade alienada, que toda
a reprodução da vida sob o capital é a reprodução da alienação que, ao produzir
o proletário, reproduz ao mesmo tempo o poder de seu inimigo e sua própria
alienação humana. Que todos os mecanismos ideológicos mencionados são baseados
nessa reprodução da alienação.
[8] Ver em Comunismo
número 45 o sublinhado intitulado “AMÉRICA ¡Arriba los que luchan contra el
capital y el estado!” onde verificamos que as lutas importantes ocorridas em um
grupo de países americanos foram enclausuradas e falsificadas por todo o
sistema de informação dominante, apresentando o que se passava em cada país
como algo totalmente diferente, quando na verdade se trata do mesmo sujeito em
todos os lugares, o proletariado internacional: “camponeses e indígenas” no
Paraguai, “indígenas” no Equador, “camponeses” sem-terra no Brasil, “parentes
de desaparecidos” na Argentina, “mineiros” no Chile, “manifestantes” e “lúmpen”
na Costa Rica, “estudantes” no México.
[9] Para nós, “consciente”
nunca significa majoritariamente consciente, nem significa intelectualmente
consciente. Haverá mais de um que nos dirá que a maioria não tinha consciência
nem em 1917/19 e/ou que não há documentos que afirmem o elemento consciente no
sentido da totalidade o programa revolucionário. Com efeito, estarão
constatando fraquezas óbvias, presentes mesmo na mais importante onda
revolucionária que a humanidade já conheceu. Dizemos “consciente” em termos
relativos e históricos e porque naquela época o proletariado passou a existir
como uma força internacional que se reconhecia como tal: milhões de proletários
em todo o mundo reconheciam a luta proletária em outros lugares como sua luta,
como uma mesma luta histórica da humanidade contra a sociedade capitalista. Era
uma força internacional consciente e atuante independentemente dos limites
dessa consciência, independentemente das maiorias ou minorias nas diferentes
regiões, independentemente de essa consciência não se expressar com toda a sua
força a nível intelectual. Em suma, “consciente” em termos relativos a toda a
história de nossa classe.
[10] É essencial
esclarecer três coisas que, na realidade, só podem ser compreendidas em todo o
seu significado levando em consideração a totalidade das críticas à economia e
à sociedade burguesas feitas pelos comunistas desde sempre e em particular o
conjunto de nossas publicações sobre a história de delimitação de nossa classe.
Em primeiro lugar, que considerar que não são produtores de valor é o ponto de
vista do capital cuja utopia é, sem dúvida, que toda a humanidade esteja sempre
produzindo valor imediatamente, mas na realidade esses setores reprodutivos da
força de trabalho são indispensáveis na valorização global do capital. Além
disso, esse ponto de vista reflete as dificuldades tradicionais do capital em
ser concebido como capital total, pois nada mais é do que a soma dos capitais
individuais, daí que considere todos esses setores como improdutivos. Em segundo
lugar, mesmo nos casos em que o capitalista individual não ganhe diretamente às
suas custas (como nos casos em que a própria educação é uma empresa privada),
esses setores contribuem para a criação de valor (força de trabalho valorizando-se)
e fazem parte do trabalhador coletivo que reproduz o capital total.
Socialmente, eles nada mais são do que uma força de trabalho que se desenvolve
de acordo com as necessidades do capital. Terceiro, que nossa posição de classe
implica nos colocarmos nos antípodas desse ponto de vista. Como não partimos do
valor se reproduzindo (e muito menos do capital individual), mas da humanidade
submetida à ditadura desse valor em processo, não derivamos o critério de
classe da discussão sobre a produção imediata de valor ou do imediatismo
absurdo que espera classificar cada indivíduo em uma classe social. Como
explicaremos nesse texto e em geral em nossas contribuições, as classes são
determinadas por seus interesses, por sua luta, por sua contraposição.
[11] Ver Comunismo
nº 43 “De la libertad”, “La libertad es la esclavitud asalariada”.
[12] Esse qualificativo
(como o de lúmpen) foi usado por toda a esquerda burguesa para ignorar o
caráter proletário de inúmeras revoltas proletárias lideradas por setores
radicais do proletariado, como os mineiros contra os governos burgueses de
esquerda.
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